Descreva-nos como é, geralmente, o seu dia de trabalho?
Pode ser como o de hoje, por exemplo, em que é difícil cumprir o planeado e temos de nos saber ajustar. Posso ser chamada, a qualquer hora, tenho isso presente, mais ainda na atual conjuntura em que estamos a lidar, pela primeira vez, com uma situação que exige múltiplas respostas. Mas normalmente o meu dia começa com a leitura das notícias, da informação sobre a atualidade. Depois depende muito da agenda, das reuniões de trabalho, das deslocações – agora nem tanto, por estarmos condicionados – mas é sempre um dia muito preenchido que só me permite ler e estudar dossiês quando os telefones param de tocar.
E este é um ministério com muitas frentes…
É um ministério que tem por missão a preparação, convocação e coordenação do Conselho de Ministros e da reunião de Secretários de Estado, bem como também nos compete formular, conduzir, executar e avaliar uma política global e coordenada na área da igualdade e das migrações.
Apresentou o Plano de Recuperação e Resiliência como uma oportunidade histórica para Portugal. Porquê?
Nunca Portugal dispôs de tantos recursos para mobilizar em tão pouco tempo além de que temos de valorizar o potencial do seu capital humano e natural, consciente que isso será decisivo para o desenvolvimento económico e para a coesão social e territorial. E ainda porque releva a importância de enfrentar as vulnerabilidades sociais, dando resposta a um país que tem a sua população envelhecida e com maior esperança média de vida. Ora isto só é possível com um Estado Social mais forte para todos, que retire as populações excluídos dos seus ciclos de pobreza e que assegure às classes médias as condições para a concretização dos seus projetos de vida. No conjunto, este capítulo terá uma dotação financeira de cerca de 3 200 milhões de euros.
E no que diz respeito à habitação?
Temos a meta de acabar com a habitação indigna até aos 50 anos do 25 de abril, em 2024, encontrando resposta para 26 mil famílias nesta condição, construindo ou reabilitando fogos.
E, também, o aumento da capacidade de responder a emergências como violência doméstica e alojamento temporário para situações de sem-abrigo, criando 2130 alojamentos de acolhimento emergência, além do Parque Público de Habitação Acessível previsto na nova geração de políticas de habitação.
Quer falar-nos da agenda da Presidência portuguesa?
Decorre sob o lema “Tempo de Agir: por uma recuperação justa, verde e digital” e Portugal assume esta Presidência com três grandes prioridades para a União Europeia: promover uma recuperação alavancada pelas transições climática e digital; concretizar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais da União Europeia como elemento diferenciador e essencial para assegurar uma transição climática e digital justa e inclusiva; reforçar a autonomia de uma Europa que se deve manter aberta ao mundo, assumir liderança na ação climática e promover uma transformação digital ao serviço das pessoas. O reforço do modelo social europeu é da maior importância numa altura como esta. Como referi e bem sabemos, as crises não afetam todos da mesma forma, as grandes crises tornam ainda mais evidentes as desigualdades que já existem e são muito mais duras para os mais vulneráveis. Temos, então, de garantir que a dupla transição, climática e digital, se realiza de forma inclusiva e sem deixar ninguém para trás.
E em maio, no Porto, o que está previsto?
A cimeira social está agendada para a cidade invicta e vai traduzir o nosso compromisso com a Europa Social, como pedra angular das nossas sociedades: democráticas, justas, coesas e inclusivas. E é por esse motivo que colocar a Europa Social no centro da recuperação é uma responsabilidade que partilhamos, pois é aqui que os cidadãos europeus esperam que a União se cumpra. O objetivo é, por isso, dar impulso político à concretização do Pilar Europeu dos Direitos Sociais na vida dos cidadãos europeus, dando-lhes apresentar as prioridades da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia na área da Igualdade de Género. Devido à pandemia causada pela doença, vivemos um momento de extrema crise sanitária, na UE e em todo mundo, uma crise com repercussões gravíssimas nas vidas de todas as pessoas. E sabemos que as crises não afetam todos da mesma forma.
Sim, as profundas desigualdades estão cada vez mais expostas.
Temos de ter a confiança de que as mudanças que vivemos não são ameaças, mas sim uma oportunidade. Neste sentido, é também crucial sermos firmes na implementação da agenda da igualdade e garantir que esta seja cumprida enquanto valor fundamental da União e princípio basilar do modelo social europeu. As mulheres são especialmente afetadas pela crise, por diversas razões. Seja por serem a maioria dos que estão na linha da frente do combate sanitário à pandemia; seja por serem a parte significativa dos trabalhadores não permanentes e temporários ou de salários mais baixos; porque a vulnerabilidade das vítimas de violência doméstica aumentou perante o isolamento imposto pela pandemia; ou porque o confinamento lhes apresenta desafios acrescidos na conciliação da vida profissional, as mulheres são das que mais sofrem com a atual e futura crise.
Daí a importância da agenda da Igualdade?
De facto. Esta exposição da desigualdade demonstra a centralidade que a agenda da Igualdade tem de assumir na Europa Social. Foi por isso, que em julho de 2020, o trio de presidências da Alemanha, Portugal e Eslovénia assinaram uma Declaração sobre Igualdade de Género, afirmando o seu compromisso com uma Europa mais igual. Cabe agora à Presidência portuguesa prosseguir esse caminho. Desta forma, as prioridades da nossa presidência, relativamente a este tema, foram definidas tendo em conta a estratégia da UE para a Igualdade de Género, que tem por objetivo garantir que mulheres e homens, raparigas e rapazes, em toda a sua diversidade, sejam livres para escolherem e concretizarem os seus projetos de vida.
E quais são as prioridades?
As três prioridades na área da igualdade e não discriminação passam por garantir que a implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais atende à perspetiva de género; assinalar os 10 anos da Convenção de Istambul e atender ao impacto da covid-19 na igualdade de género, com foco nas dimensões do mercado de trabalho, rendimentos e conciliação entre vida profissional, pessoal e familiar, com base em dados concretos.
Reconhecemos que o Modelo Social Europeu é uma das bases fundacionais da União Europeia e tem de assentar na necessidade de promover a igualdade de oportunidades e o pleno desenvolvimento do potencial de cada um, independentemente do seu género. Agora, mais do que nunca, precisamos de sedimentar as bases que potenciam e promovem mudanças positivas na nossa sociedade. Por esse motivo, consideramos fundamental o envolvimento das ministras e dos ministros responsáveis pela pasta da igualdade no debate sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Como já mencionei, a pandemia expõe fortemente os desafios que persistem. Um desses desafios são os níveis intoleráveis de violência contra as mulheres.
Sim. Por isso, em Portugal, também recentemente, surgiram novas campanhas de prevenção da violência doméstica.
Face a um tão grave risco, proteger os mais vulneráveis tornou-se uma prioridade ainda mais urgente. É por isso que o nosso país e todos os Estados membros adotaram medidas específicas para fazer face a esta situação. Daí a importância de uma conferência de alto nível focando a violência contra mulheres e raparigas e a violência doméstica.
Resumidamente, a convenção de Istambul é importante porquê?
Porque é uma ferramenta que estabelece as diretrizes necessárias para uma base comum, de proteção, em todos os Estados-membros. Devemos, por isso, atender aos objetivos da Convenção e fomentar a discussão sobre políticas que proporcionem a proteção necessária dos direitos das mulheres, para que estas se sintam seguras e possam prosperar em todas as dimensões. A Europa tem de ser um lugar seguro para as raparigas e mulheres, estejam protegidas e possam prosseguir os caminhos que desejam.
A Presidência portuguesa pretende adotar conclusões do Conselho sobre este tema, trabalhando com os Estados-membros para reunir o consenso necessário. Estas conclusões terão por base uma nota de pesquisa do Instituto Europeu para a Igualdade de Género precisamente sobre o impacto da pandemia na igualdade de género. Esta nota de pesquisa será decisiva para que as conclusões do Conselho sejam sustentadas em dados que confiram um valor acrescido às políticas públicas que os Estados membros serão convidados a concretizar para combater a desigualdade entre mulheres e homens, agravada pelo contexto da pandemia.
Foi, nesta matéria, o que defendeu na reunião de mainstreaming de género, onde participou, recentemente?
Sim. Teve como objetivo o planeamento estratégico de atividades no seguimento da Estratégia Europeia para a Igualdade de Género, visando apoiar a Comissão na preparação dos novos pacotes legislativos, a anunciar futuramente, nomeadamente sobre transparência salarial e prevenção e combate à violência contra as mulheres. De forma geral, apelamos à união e coordenação dos países-membros da UE para atingirmos progressos tangíveis nesta área. Nem a pandemia, nem a crise podem ofuscar a igualdade de género. Se até aqui as desigualdades de género eram óbvias, agora são impossíveis de ignorar; por isso a agenda da igualdade será uma das prioridades da presidência portuguesa do Conselho da UE, ao longo deste primeiro semestre de 2021.
E relativamente às quotas de géneros nos conselhos de administração das empresas?
Também aproveitaremos a presidência do Conselho da UE para abordar este tema difícil, mas procuraremos dar passos, apesar do consenso não ser simples, pois há países a divergir neste tema. Também é previsto que venha a ser adotado um conjunto de medidas vinculativas em matéria de transparência salarial.
Desta vez, a aprovação do orçamento do Estado para 2021 foi bastante atribulada?
Prefiro dizer-lhe que é um orçamento que dá respostas aos múltiplos impactos imediatos da pandemia. Mas é também um orçamento que enfrenta os desafios do presente e constrói o futuro.
Não esquece que a recuperação do País terá de passar pelo investimento para enfrentar os quatro desafios estratégicos identificados no programa do Governo: alterações climáticas; transição digital; demografia e desigualdades.
De referir que é um orçamento que combate as desigualdades com um apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores, com as creches gratuitas para todos os filhos das famílias – do primeiro e do segundo escalões – e com o fim das taxas moderadoras dos exames de diagnósticos prescritos nos cuidados de saúde primários. E promove a resposta ao desafio demográfico através, não só das creches gratuitas, mas também com o alargamento e requalificação dos equipamentos sociais de apoio à infância, idosos e pessoas com deficiência.
O Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE), colocou Portugal no 16.º lugar do ranking europeu, depois de ter ocupado o 21.º lugar, em 2005. Quer comentar?
Portugal está a progredir mais rapidamente que a média da União Europeia em matéria de igualdade de género nos domínios do trabalho, rendimento, conhecimento, poder, tempo e saúde. O último relatório divulgado pelo EIGE indica que é na área do “poder” que a evolução entre 2005 e 2017 foi mais acentuada, alcançando 46,7 pontos, mais 24,5 pontos do que em 2005 e mais 12,8 pontos do que em 2015. Portugal fez vários progressos, daí ter subido de posição, neste Índice da Igualdade de Género e, agora, com a pandemia, temo algumas regressões.
Em outubro, numa conferência interministerial, fizeram o balanço do primeiro ano do plano nacional para as migrações.
A execução é de 80% do Plano Nacional para a Implementação do Pacto Global para as Migrações, cujas medidas foram já reconhecidas pelas Nações Unidas e pela OCDE. No total foram 97 medidas que vão ao encontro dos 23 objetivos estabelecidos.
Portugal tem sido um exemplo de integração e acolhimento. Medidas como a revisão do modelo de ensino do português como língua de acolhimento – com maior flexibilização na constituição de turmas e nos horários – e a duplicação dos gabinetes de inserção profissional que continuarão a ser motivo de aposta durante o próximo ano. Realço, também, a importância de haver um mecanismo de apoio à procura de emprego e à inserção profissional dirigido aos emigrantes, medidas que o Plano de Recuperação e Resiliência prevê, bem como outras, relacionadas com a habitação, respostas tanto de emergência como de autonomização, que serão de grande importância.
Dia 18 de dezembro assinalou-se o dia internacional dos migrantes e foi uma oportunidade para agradecer a diversidade?
Continuaremos a trabalhar para que os mais de meio milhão de cidadãos estrangeiros residentes em Portugal possam realizar os seus projetos de vida. O valor que acrescentam ao país é a prova de que o desenvolvimento se faz de abertura, de aceitação e de tolerância. Este tem sido um ano exigente, a crise económica e social afetou as múltiplas dimensões dos nossos projetos de vida em sociedade atingindo com particular gravidade os mais vulneráveis. Os homens, mulheres e crianças que procuram no nosso país uma vida melhor, que muitas vezes fogem de cenários de pobreza extrema e anseiam por uma nova vida estão, sem dúvida, ainda mais expostos aos efeitos nefastos desta pandemia. E é para proteger os mais vulneráveis que a política pública tem de trabalhar. Por razões sanitárias, mas acima de tudo, humanitárias, o Governo decidiu que todos os emigrantes com pedidos pendentes de residência, passavam a estar em situação regular, de forma temporária e extraordinária, salvaguardando o pleno direito de acesso aos serviços públicos. Desta forma garantiu-se o acesso à saúde, à habitação, ao trabalho e à segurança social a todos quantos escolheram Portugal como destino. Temos ainda um longo caminho a percorrer para um país mais justo e igual para todos, mas continuaremos a trabalhar para que todos sem exceção se sintam protegidos e respeitados para realizar os seus sonhos. Agradeço a todos os que fazem de Portugal um país mais diverso, mais desenvolvido e, sem dúvida, mais rico.
O Governo prevê colocar a discussão pública uma primeira versão do plano de ação contra o racismo no dia 21 de março…
Está constituído um grupo de trabalho com as organizações representativas e o nosso plano é no dia 21 de março, dia de combate à discriminação racial, colocar uma primeira versão do documento em discussão pública. Queremos e precisamos que seja muito participado por todos pois este é um problema que tem vindo a crescer no mundo e também em Portugal. Sempre existiu, mas agora está mais visível. Precisamos de resposta do lado da integração e das respostas sociais ao longo de toda a vida, mas também do lado do combate à discriminação.
Esta iniciativa visa reforçar as políticas de combate ao racismo e discriminação, alinhadas com as prioridades estabelecidas na Estratégia Portugal 2030, que consubstancia a visão do governo para a próxima década, na agenda temática “as pessoas primeiro: um melhor equilíbrio demográfico, maior inclusão, menos desigualdade”. Estes trabalhos estão também enquadrados nas mais recentes prioridades definidas a nível europeu, designadamente no Plano de ação da União Europeia contra o racismo 2020-2025, lançado no passado mês de setembro.
Já está em prática a monitorização do discurso de ódio na internet?
O objetivo é perceber aspetos como a forma de propagação deste discurso nas plataformas online, as mensagens que contém, identificar autores, monitorizar processos de queixas, entre outros.
Já alguma vez se sentiu vítima desse discurso?
Não. Até porque não tenho por hábito ir aos motores de busca saber o que dizem sobre mim (sorriso).
Temos, finalmente, uma estratégia de luta contra a pobreza e a exclusão social em curso.
Estou certa de que o Dr. Edmundo Martinho, que assume a coordenação, está bem acompanhado por todas as pessoas envolvidas e que darão contributos inestimáveis com todo o conhecimento que têm. Todos os parceiros e organizações como a Rede Europeia Anti Pobreza, a Cáritas, a Cooperativa António Sérgio, entre outros, são fundamentais bem como os pareceres que irão emitir.
Depois de uma melhoria generalizada dos rendimentos das famílias portuguesas, a pandemia veio degradar os indicadores de desemprego e agravar as condições materiais de muitos portugueses, impondo para além da resposta de emergência que tem vindo a ser desenvolvida uma atuação sistémica e estrutural de combate à pobreza.
A continuidade da aposta na recuperação do emprego e na promoção de condições de trabalho dignas é fundamental para este combate sendo igualmente essencial refletir sobre o nosso sistema de mínimos sociais, reforçando os apoios do Estado aos grupos mais desfavorecidos, garantindo a universalidade da sua cobertura e dando um novo impulso à economia social, em nome da igualdade de oportunidades.
Será uma estratégia aberta à participação.
Até ao dia 15 de dezembro foi ouvido um conjunto relevante de parceiros relevantes nesta matéria. Mas o objetivo é que seja feita uma discussão mais alargada, fazendo uma consulta pública antes da sua aprovação ainda no primeiro semestre de 2021. É fundamental que a construção seja feita com o envolvimento da sociedade civil e num processo de ampla participação e debate, procurando a definição de medidas que cruzem diferentes instrumentos e dimensões de política pública, abrangendo todos os públicos, da infância à velhice, incluindo os grupos mais vulneráveis. Prevê-se que estas medidas tenham um quadro de acompanhamento onde se incluem metas e indicadores que permitam aferir o progresso e o sucesso da Estratégia e afinando os seus instrumentos, se for caso disso, como é natural que ocorra nas políticas públicas.
Palavras para o futuro?
Apesar de vivermos uma crise, inédita na dimensão e na transformação radical na vida de todos, em que foi preciso aprender enquanto se decidia, corrigir e aperfeiçoar com as informações entretanto recolhidas, temos de nos manter confiantes no futuro. A capacidade de resposta do país, dos portugueses e dos serviços essenciais, como a Saúde, as forças de segurança, os trabalhadores das instituições sociais, do setor dos transportes, da distribuição, da agricultura. A todos temos de estar gratos. E reafirmo que não é apenas com medidas que se controla a pandemia, é com as atitudes de cada um.