Clara Carvalho tem 42 anos, sonha com um emprego estável e gostaria de viajar muito mais. Mas, está visto, “há coisas na vida que não podemos controlar; tem mesmo de ser um dia de cada vez”, disse-nos durante a conversa que mantivemos, acrescentando, com enfase, “agora, mais do que nunca, temos de saber viver sem fazer muitos planos e preparados para que o mundo não volte a ser o mesmo, depois da pandemia”.
Foi pela mão de uma amiga que Clara Carvalho conheceu o Conselho Local de Cidadãos (CLC) de Braga, promovido pela EAPN Portugal e, por gostar muito de voluntariado e de toda a dinâmica e aprendizagem proporcionada pelo CLC foi ficando, desde 2016 até à atualidade.
O trabalho digno é um dos temas de sua preferência e sobre o qual mais gosta de refletir e aprender, talvez porque já sentiu na pele que a falta dessa dignidade tem muitas formas e é nociva de muitas maneiras. Para o próprio trabalhador e para a sociedade. “Para nos sentirmos realizados, precisamos e merecemos um trabalho onde nos tratam com respeito e dignidade”, diz Clara Carvalho, ciente de que o trabalho além de estar consagrado como direito humano, constitui a oportunidade que todas as pessoas, sem exceção, deviam ter para, mediante um trabalho produtivo, receberem um rendimento justo, proteção social com perspetivas de desenvolvimento pessoal e integração social que permita qualidade de vida. Resumindo muito, é isto. Nesta matéria, a Organização Internacional do Trabalho, diz que há quatro componentes a considerar: emprego, direitos, proteção e diálogo. E o trabalho digno baseia-se na premissa de que todos estes elementos são necessárias para criar as melhores perspetivas de progresso social e de desenvolvimento.
A pandemia que se instalou em Portugal e no mundo afetou a vida de Clara Carvalho de diferentes formas. “Em meados do mês de março, quando o Estado decretou o confinamento, a minha situação financeira piorou. Tinha dois trabalhos, um como trabalhadora informal a cuidar de uma idosa e outro como assistente operacional numa escola, a tempo parcial. Fiquei sem o rendimento de trabalhadora informal, conta Clara, acrescentando que “como vivo com a minha mãe, não tive dificuldades económicas porque tenho sempre o seu apoio. Mas, se vivesse sozinha, podia passar necessidades. Trabalhava na escola, a escola fechou e os assistentes operacionais, como eu, também foram para casa. Durante o período de confinamento, apenas trabalhámos, presencialmente, uma semana”, diz.
Por sua vez, a mãe de Clara Carvalho, 78 anos, também viu o ritmo da sua vida alterado, pois “deixou de se poder deslocar ao centro de dia da freguesia. Tanto a minha mãe como as outras pessoas de idade ficaram sem as atividades de lazer, tão benéficas à saúde e, agora, vivem muito mais sedentárias e solitárias. Por isso, o impacto da pandemia é tão negativo, em tantas vertentes que, às vezes, se não vivermos as situações, nem imaginamos”, conta Clara Carvalho, preocupada não só com a saúde da mãe mas, ainda, com a das pessoas em geral. “A situação piorou ao nível dos serviços de saúde mas também piorou no que respeita ao aumento da solidão e do isolamento e a constante mudança de regras, aumenta a ansiedade, gera receios, condiciona a nossa maneira de viver”, reflete Clara Carvalho, que além de sentir falta do contacto social, quer com amigos, quer com família, sente falta do exercício físico. “Tentei fazer em casa, mas não é a mesma coisa; preciso de sair para fazer desporto. Mas como passei a maior parte do tempo em casa, ainda me mexi a fazer arrumações de papelada e de roupas e limpezas domésticas. No entanto, também li, descansei, apanhei sol no jardim e fiz caminhadas na freguesia, pois vivo na aldeia e existem sítios agradáveis para passear ao ar livre”, confidencia Clara Carvalho, passando em revista estes dias estranhos. ”Não podemos mudar os acontecimentos, mas podemos mudar a forma como os sentimos e pensamos. Esta pandemia vai originar um agravamento da pobreza mundial. Acredito que as desigualdades vão aumentar, acentuando as nossas fragilidades. Por isso o combate à pobreza e à exclusão social deve ser uma prioridade dos Governos, tanto em Portugal, como nos restantes países”.
Como surgiu a oportunidade de integrar o Conselho Local de Cidadãos (CLC) da EAPN Portugal, em Braga?
Em 2016, fui convidada por uma amiga que já integrava o CLC de Braga. Uma vez que estava desempregada, tinha muito tempo livre e gosto de fazer voluntariado, aceitei o convite e fui ver do que se tratava.
E o Conselho Nacional de Cidadãos (CNC)?
Nessa altura, estávamos a formar o grupo e os outros colegas do CLC concordaram em eleger-me como representante do distrito de Braga. Pensei que seria uma oportunidade para aprender e conhecer outras realidades. E foi.
O que retira destes quatro anos de participação no CLC e CNC?
No geral, aprendi bastante, conheci pessoas e partilhei experiências. Pude conhecer outras realidades de que não tinha conhecimento. Participei em atividades realizadas pelo Núcleo Distrital de Braga da EAPN Portugal, como por exemplo num flash mob de sensibilização e prevenção da violência contra as pessoas idosas; num workshop sobre intervenção com as comunidades ciganas e, ainda, nas sessões temáticas sobre cidadania, participação e direitos humanos, pobreza e exclusão social, coaching para a empregabilidade, entre outras.
No CNC também participei em diversas atividades, inclusive nos fóruns nacionais de combate à pobreza e nas respetivas sessões de preparação. Aprendemos bastante sobre o tema que nos é proposto apresentar no dia do fórum e onde nós e outros convidados falamos e abordamos, na nossa perspetiva, os tópicos em análise.
Todas as aprendizagens que adquiri são importantes e permitem-me ter outra visão e conhecimento sobre os assuntos. Também considero que a participação das pessoas é muito essencial. Podemos ter uma voz ativa e os grupos mais vulneráveis podem lutar pelos seus direitos e pela igualdade de oportunidades e por uma maior coesão e justiça sociais. Através da EAPN Portugal, podemos chegar mais longe, pelo menos é essa a minha experiência.
Quais os temas abordados que mais despertam a atenção?
Os temas que considero importantes são a participação, a habitação, a saúde e, em especial, o trabalho digno. Para nos sentirmos realizados, precisamos e merecemos um trabalho onde nos tratam com respeito e dignidade.
Como foi a experiência de participar no encontro europeu, em 2019?
Foi bastante enriquecedora. Pude conviver com pessoas de outas nacionalidades e perceber os seus problemas no acesso à habitação. Pratiquei o meu inglês e partilhei a minha experiência. Constatei que nos outros países existem os mesmos problemas que em Portugal no que diz respeito à habitação. E também gostei de conhecer Bruxelas, fomos dar um passeio pela cidade e achei-a muito acolhedora e bonita.
Nos conselhos local e nacional de cidadãos sente que faz ouvir a sua voz, na luta contra a pobreza e a exclusão social?
Acho que me faço ouvir pouco. Ainda há muito a fazer no que respeita à participação. Mas, considero que a participação das pessoas em situação de exclusão e pobreza é muito importante porque são elas que passam por esses problemas e podem falar na primeira pessoa. Nos fóruns nacionais, temos oportunidade de nos fazer ouvir e isso é essencial para uma ajustada resolução dos problemas.
Que projetos tem para o futuro?
Pretendo continuar a participar nas atividades do CLC e do CNC, sempre que tiver disponibilidade. A nível profissional, pretendo encontrar um emprego mais estável e, do ponto de vista pessoal, gostaria de viajar mais.