A cidade famalicense é pioneira na criação de um eco bairro que continua a ser uma referência nesta matéria pois o projeto lançou boas práticas e deixou, no coração do bairro, muitos ensinamentos em nome de uma comunidade que se orgulha dos seus cuidados ecológicos e sustentáveis, sintonizados com as necessidades do planeta. Mas a AML é muito mais do que um bairro “verde”, é uma organização que dá muitas respostas sociais, a crianças e idosos, preocupada em promover a intergeracionalidade e com um projeto socioeducativo que, entre muitos outros valores e princípios, ensina a gratidão.
“Eco Bairro das Lameiras” assim se intitula o projeto, já concluído, no âmbito da parceria para a regeneração urbana do Parque da Devesa, em Vila Nova de Famalicão, criado pela AML, daquela cidade do Ave. Projeto pioneiro em Portugal, iniciou-se em 2010 e terminou dois anos depois, no que reporta ao fim do seu financiamento. No entanto, produziu conhecimento, boas práticas, exemplos a seguir por outros que querem fazer do seu bairro um eco bairro, ou seja, um bairro que promove espaços sustentáveis e socialmente coesos a partir de práticas de participação e envolvimento da população. Do tempo em que o projeto se iniciou e se manteve financiado, ficaram, no coração do bairro, comportamentos ambientalmente responsáveis, boas ações comunitárias, que contribuíram para reforçar a coesão e integração social dos moradores do Complexo Habitacional das Lameiras (CHL).
Tanto que, ainda em fevereiro deste ano, receberam a visita internacional de Lara Freitas, cofundadora do Programa Permanente Ecobairro, em São Paulo, Brasil, que visitou o CHL “para conhecer a metodologia aplicada no eco bairro famalicense, levando e deixando informação e práticas de trabalho que visam uma participação ativa dos moradores em interação com a comunidade onde se inserem”, explica Jorge Faria presidente da AML, há 27 anos, sendo um dos seus sócios fundadores.
O certo é que os cuidados ecológicos e outros que os moradores foram aprendendo não deixaram de ser úteis. Muito pelo contrário, asseguram boas práticas locais que se refletem, também, no cuidado que todos devemos ter com a casa comum, ou seja, o planeta que habitamos. O trabalho de consciencialização para minorar os problemas ambientais, refletem-se em pequenos grandes gestos quotidianos, como por exemplo, desligar aparelhos eletrónicos, pois ao deixá-los em stand-by continua a ser desperdiçada energia; ou evitar abrir e fechar o frigorifico muitas vezes; comer menos carne vermelha, reciclar o lixo em casa; instalar lâmpadas de baixo consumo; encher completamente as máquinas da loiça ou da roupa antes de as pôr a funcionar; fazer compostagem doméstica; comprar alimentos da região; levar sempre sacos de lona; plantar árvores ou flores no seu jardim; não desperdiçar água.
Estes e outros conselhos estão explicados em detalhe no sítio virtual do eco bairro e os seus habitantes, “graças a este projeto, tiveram a oportunidade de perceber como tudo está interligado e dependente do nosso comportamento, quer aqui no bairro, quer no planeta”, diz Jorge Faria, também no papel de morador, uma vez que vive nas Lameiras há 38 anos. “Cheguei a Famalicão, com a minha mulher, em 1980. Fui colocado numa filial do Banco Nacional Ultramarino e pensei que, brevemente, regressaria a Lisboa, de onde sou natural. Mas não. Gostei da cidade, então vila, e por aqui fizemos a nossa vida e criamos três filhos. Já trazia na bagagem experiência como dirigente pois trabalhava não só na banca como tinha exercido vários cargos em Quelimane, Moçambique, nomeadamente em áreas desportivas”, recorda Jorge Faria, explicando a sua ligação a Famalicão e à associação a que preside.
Atualmente residem no CHL cerca de 1.400 pessoas e cerca de 90 crianças, sendo um bairro de grande diversidade social, com pessoas de diferentes origens o que lhe confere uma grande heterogeneidade e um pendor multicultural; terreno fértil para trabalhar valores fundamentais para a boa convivência comunitária e, de um modo geral, humana.
O início da construção do edifício remonta a 1978, com o Fundo de Fomento da Habitação e, em 1984, constituiu-se a Associação de Moradores das Lameiras, como um meio de auto-organização da comunidade objetivando a satisfação das suas necessidades e bem-estar.
“Tenho bem presente na minha memória os anos em que este bairro era composto por jovens casais com dois ou três filhos. Em 1983 tínhamos aqui 750 crianças, não faltava alegria e brincadeiras por todo o lado, era um sonho, recorda o presidente da AML, agora, com 68 anos e com mais de uma vintena como voluntário, trabalho que muito aprecia, “apesar da dedicação que requer presidir a uma associação tão dinâmica como esta. Toda a direção e corpos gerentes são voluntários. Mas é cada vez mais difícil encontrar pessoas que se comprometam a um voluntariado diário, com responsabilidades, sem terem nenhuma remuneração, a não ser a satisfação pessoal, como é o meu caso”, diz Jorge Faria.
A AML é uma instituição particular de solidariedade social, com sede no próprio edifício das Lameiras e orienta a sua ação para a promoção da cultura, desporto e solidariedade social, a partir da infância, juventude, família e terceira idade. Além de atuar na defesa dos interesses dos moradores, disponibiliza várias respostas sociais pois ao longo dos anos criou diversas infraestruturas de apoio a todo o trabalho que passou a desenvolver e desenvolve, tendo ativas diversas valências. Assim, no Centro Social e Comunitário das Lameiras existem várias respostas sociais, que importa mencionar, como a creche, o centro de estudos e animação juvenil, o apoio domiciliário, o centro de dia, o lar de idosos, os gabinetes de acompanhamento e atendimento social, a casa abrigo para mulheres vítimas de maus tratos e, ainda, um grupo desportivo.
“Nunca deixamos que este bairro se transformasse num gueto, nem pela sua grande dimensão, nem pela diversidade de pessoas que acolhe. Ao longo dos anos, foi sempre um trabalho que visou a igualdade de tratamento e de oportunidades e apoios para todos, incluindo as pessoas com mais vulnerabilidades”, diz o presidente, destacando que “a grande luta, no momento é, como em todo o lado, vencer a pandemia covid-19. Creio que todas as organizações, em particular as que, como nós, atuam com crianças e idosos, estão a passar por grandes dificuldades. Aqui, sentimo-nos muito pouco apoiados pelo Governo e pela Segurança Social. Falta dinheiro para, por exemplo, batas e máscaras, que precisamos em grande quantidade, pois o apoio aos idosos é feito duas a três vezes por dia”, diz Jorge Faria, reforçando que “falta mais apoio. Até mesmo as empresas, na atual conjuntura, apoiam menos. Temos alguns supermercados a fornecer alimentos, mas não é suficiente para dar as respostas que damos”.
Projeto socioeducativo da AML
O projeto socioeducativo da AML revela bem a sua marca identitária “repleta de valores comunitários que pretendem transmitir a importância de sermos melhores pessoas, melhores seres humanos e alcançarmos o melhor para a nossa comunidade e, consequentemente, para a humanidade”, diz Jorge Faria, acrescentando que “as nossas respostas sociais, muito abrangentes, têm, ainda, como objetivo a formação integral e harmoniosa da criança, rentabilizando todas as suas potencialidades e sensibilizando-as para os valores éticos, morais e cívicos, indispensáveis à vida em sociedade, com responsabilidade e liberdade, sendo que os momentos de atividades intergeracionais com a população sénior da AML também permitem experienciar e desenvolver estas competências”.
Assim, a AML criou um projeto socioeducativo que se norteia por princípios de partilha, participação, solidariedade, igualdade, cidadania, espírito crítico, criatividade e gratidão. Gratidão? Sim, leu bem. “Praticar gratidão é um exemplo que a AML pretende passar a toda a sua comunidade, de forma a impulsionar comportamentos e sentimentos positivos, e transformar cada passo desta caminhada numa conquista a valorizar”, lê-se no documento intitulado “Em Sintonia: Eu, o Outro e o Mundo!”, a que a FocusSocial teve acesso e que apresenta, detalhadamente, o projeto com o mesmo nome, a decorrer durante o triénio 2020/2023, com a possibilidade de extensão para mais um ano. A iniciativa assenta em três pilares base: a pessoa, o social e o ambiente e quer dar respostas ao que considera ser o grande desafio do século XXI: “transformar contextos de vida das pessoas em espaços de desenvolvimento total, dando voz às crianças. Sem o bem-estar emocional não é possível o bem-estar económico, social e ambiental, nem a ambicionada redução da desigualdade e promoção da equidade”, sublinha Jorge Faria.
Como sabemos, a educação é um dos pilares fundamentais da nossa sociedade e a AML tem isto bem presente na sua estratégia de atuação nomeadamente em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio. “São estes os valores que preconizamos como resposta a uma sociedade que cada vez mais exige das instituições uma intervenção ativa, atenta e responsável. Neste sentido, os valores e princípios éticos assumem especial relevância na dinâmica e funcionamento desta instituição”, sublinha o presidente. Relativamente a projetos para o futuro, Jorge Faria diz que a associação quer aumentar, para sete dias por semana, o apoio domiciliário a idosos e “construir 13 habitações T0, para essa população, que funcionarão como retaguarda ao centro de dia e lar de idosos”, revelando estar nos planos, “adquirir um novo terreno na freguesia de Antas, ou circunvizinhas, que permita construir de raiz novos equipamentos, que possam acolher novas respostas sociais ligadas com à população mais envelhecida e portadora de deficiência. “Não gostaria de terminar mais um mandato sem proceder a algumas requalificações, nomeadamente a rede de saneamento básico do edifício das Lameiras e, ainda, aumentar a capacidade do sistema solar térmico de apoio ao aquecimento de águas quentes sanitárias no edifício de centro social, adquirindo novos painéis solares”.