A EAPN Portugal comemora este ano o 30 º aniversário. Desde a sua fundação que uma das mensagens mais importantes veiculadas para a sociedade civil é a de que a luta contra a pobreza e a exclusão social é uma responsabilidade social e coletiva de todas as pessoas, grupos sociais e organizações. Dito de outra forma: é compromisso não apenas das organizações não-governamentais – cuja missão e vocação é diretamente focada neste objetivo – mas de todos os órgãos políticos (nos seus diversos níveis), dos cidadãos em geral e igualmente do setor privado lucrativo.
O fenómeno da pobreza decorre, em primeira instância, da desigualdade da repartição da riqueza nas nossas sociedades, ou seja, utilizando outras palavras: a forma pouco equitativa como distribuímos o que geramos, conduz-nos – grosso modo – à existência do fenómeno da pobreza. Assim, e numa abordagem simples, combater a pobreza significaria partilhar melhor a nossa riqueza coletiva e, sobretudo, olhar para uma outra forma de crescimento económico, utilizando indicadores que se concentrem no valor social criado pela atividade económica e não somente o PIB e outros indicadores estritamente de carácter económico-financeiro.
A crise económico-financeira iniciada em 2008, e muito provavelmente esta que foi despoletada pela emergência da pandemia provocada pela Covid 19, demonstrou-nos, entre outras coisas, que a desconexão entre a especulação dos mercados financeiros e a economia real se revelou fatal no que respeita ao aumento dos números da pobreza e aos fenómenos a ela associados: desemprego, recessão económica, crise de valores, dívidas soberanas, modelos de organização social inadequados, entre outros.
O exercício da responsabilidade social das entidades privadas no combate à pobreza e à exclusão social é uma parte da responsabilidade de todos os atores neste objetivo. No entanto, não é consensual a forma como as entidades privadas interiorizam e projetam esta mesma responsabilidade.
A EAPN Portugal, em conjunto com outras organizações, tem vindo a desenvolver um conjunto de iniciativas que pretendem criar as condições para a reflexão alargada, sobre a Responsabilidade Social das Organizações, a Cidadania Empresarial e o Trabalho Digno (trabalhando segundo o conceito definido pela Organização Internacional do Trabalho). Este trabalho tem sido desenvolvido com o objetivo de envolver a sociedade civil, as academias, o tecido empresarial e estabelecer “pontos” de contacto com o terceiro setor, particularmente o que se dedica à intervenção social.
Uma reflexão alargada sobre a Responsabilidade Social das Organizações, torna-se mais urgente e necessária em tempos de crise pandémica, quer por parte das empresas, quer das organizações em geral. A emergência da pandemia obrigou à adaptação de muitas empresas e organizações ao teletrabalho, a repensar estratégias de retoma económica e sobretudo, colocou desafios completamente novos ao mundo do trabalho e á possibilidade de novas formas de trabalho e de conciliação da vida laboral e familiar.
A responsabilidade social, não pode apenas ser vista como um slogan, como uma técnica de marketing, tem de ser uma prática corrente, tem de ser equiparada à ética individual, que não necessita de ser demostrada, mas sim quotidianamente praticada.
Em dezembro de 2020, A EAPN Portugal promoveu um ciclo de webinares sobre esta temática e convidou para o efeito, as organizações empresariais e sindicais, bem como alguns dos especialistas universitários portugueses que se dedicam a estas “matérias” no seio da academia. O momento era crucial, vivia-se o epicentro da pandemia, os indicadores económicos alertavam para a possibilidade de falência de empresas, para o aumento do desemprego e adivinha-se uma crise económica e social sem precedentes. Falar de responsabilidade social nesta época, apresenta-se quase como um paradoxo: por um lado a prioridade é manter postos de trabalho, num universo maioritariamente constituído por pequenas e muito pequenas empresas – como é o tecido empresarial português – é extremamente difícil, sem as ajudas do estado, por outro lado, é necessário que a solidariedade e a responsabilidade social funcionem, para mitigar situações de desemprego, de crise social, de descalabro em setores como o turismo, a restauração, os serviços, pilares fundamentais da economia portuguesa. A responsabilidade social, não pode apenas ser vista como um slogan, como uma técnica de marketing tem de ser uma prática corrente, tem de ser equiparada á ética individual, que não necessita de ser demostrada, mas sim quotidianamente praticada.
A destruição de postos de trabalho, o crescimento da precariedade laboral e da insegurança, é uma matriz anterior á emergência da crise pandémica, embora edsta tenha vindo a acentuar esses efeitos, que não foram uniformes entre países, consequência que decorre da aplicação de diferentes medidas aplicadas pelos respetivos governos, quer da própria progressão da pandemia nos diferentes territórios. A resposta à crise dependeu igualmente da maior ou menor capacidade dos países e do seu grau de desenvolvimento, a capacidade de reagir a situações adversas dependeu e depende, da aplicação de medidas e de protecção social á populações mais atingidas, em particular as situações mais vulneráveis que perderam rendimentos que resultam do seu posto de trabalho. A exigência de uma resposta adequada á dignificação do trabalho implica sobretudo um acordo com todas as partes interessadas (governos, empresas e trabalhadores e as suas organizações, as novas formas de trabalho que vão surgindo, não decorrem no mesmo ritmo da legislação produzida, sendo necessário o desenvolvimento de uma cultura de responsabilidade social como “motor” da dignificação do trabalho e da salvaguarda dos direitos e garantias da dos trabalhadores. A responsabilidade social pressupõe uma postura da parte das empresas e das organizações, que implica comportamentos éticos perante todos os seus stakeholders, o respeito pelas leis vigentes e uma dimensão de caráter mais externo de respeito pelo ambiente, pela concertação social a par das suas obrigações fiscais e em prol da dignificação do trabalho.
O surgimento da pandemia provocado pelo covid 19 provocou um salto na implementação das tecnologias de informação e comunicação e igualmente nas novas formas de trabalho. Esta evolução despoletada pela emergência pandémica poderia ter demorado anos a ser implementada em muitos casos, mas as circunstâncias provocaram o recurso rápido e necessário para a sobrevivência das atividades económicas. Ao nível da Responsabilidade Social das Organizações coloca-se a questão de como é que as organizações introduzem estas mudanças acrescentando valor á sua atividade e ao mesmo tempo aos seus colaboradores e á comunidade em geral?
A gestão da crise pandémica e a tentativa de retorno a uma “vida normal” nas diversas áreas de atividade vai criar tensões sociais, vai ser necessário usar da capacidade de gestão e mobilizar todos os agentes sociais.
São respostas que se colocarão nos próximos tempos e sobretudos desafios para as empresas e para as organizações a curto e médio prazo. A responsabilidade social tem vindo a ganhar terreno, quer ao nível do setor privado, quer igualmente como instrumentos do estado para promover políticas públicas. O surgimento da pandemia faz repensar quer os objectivos das empresas, quer a sua própria responsabilidade social, contudo a sua assunção por parte do setor privado não é igual em todas as empresas, existem graus de desenvolvimento diferenciados por parte deste setor, sendo o estado visto como um parceiro fundamental para ativar essa responsabilidade social. A visão dos valores produzidos pela economia para além dos valores monetários é ainda uma visão minoritária, a pandemia veio demostrar e até acentuar desigualdades e nesses sentido as empresas e as organizações tem um campo de ação extremamente vasto para atuar, mudando mentalidades e formas de gestão.
A gestão da crise pandémica e a tentativa de retorno a uma “vida normal” nas diversas áreas de atividade vai criar tensões sociais, vai ser necessário usar da capacidade de gestão e mobilizar todos os agentes sociais. Ao nível das empresas e das organizações essas tensões só podem ser geridas com instrumentos adequados e acima de tudo organizando a empresa e/ou organização nos tempos de trabalho, na conciliação entre a vida laboral e familiar e nas relações laborais. Para a economia social apresentam-se novos desafios ao nível do combate á pobreza, mas também nas diversas áreas da exclusão, com o surgimento de novas problemáticas associadas a “solidões”, saúde mental e tensões sociais.
Uma das raras vantagens que se extraem da pandemia, foi o “despertar” para a responsabilidade social por parte de muitas empresas e organizações. Tendo em conta o cumprimento de metas definidas pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável a academia, as organizações do Terceiro Setor, o Estado e a sociedade civil, têm um papel de mobilização e de incremento de dinâmicas conducentes à prossecução dos ODS’s, quer através da informação, mas também da promoção do debate e da reflexão. Este é o principal desafio para os próximos tempos, porque a responsabilidade social aplica-se a todos os aspectos da vida em sociedade, quer ao nível individual, quer ao nível das organizações, sendo que: citando uma das especialistas que participou nos webinares promovidos pela EAPN Portugal, Ana Simaens do ISCTE – IUL: “ a importância de uma visão global e sistémica que abarca as partes envolvidas é fundamental, tendo o estado um papel aglutinador”.