Numa época em que todos estamos tão preocupados com défices, cumprimentos de metas económicas, redução de despesa pública e quando parece ser incontrolável e obrigatório aceitar que todos fiquemos mais pobres, é cada vez mais difícil falar – e ser ouvido! – sobre a pobreza, suas verdadeiras causas e possíveis soluções.
Vivemos um tempo que se caracteriza por uma inexorável demanda de emergência que nos cega, nos impele para as ações mais imediatas que, embora reconhecidamente de prementes necessidades, parece fazer-nos esquecer as verdadeiras causas da pobreza que já tínhamos e da que estamos a criar a cada dia que passa. Este estado de emergência é altamente perigoso. Este estado de emergência está a proporcionar e a patrocinar um retrocesso civilizacional ao mais primário e desregulamentado assistencialismo, que desvaloriza os mais básicos pressupostos científicos sobre a pobreza. E, os mais prejudicados, de novo, são os mais pobres. Regressa a ideia de que pobre é quem não tem o que comer. E é com base nestes falsos pretextos que as “políticas” estão a ser construídas. É aqui que se enquadra uma “preferência” pela emergência social, armadilha em que as próprias organizações sociais estão a cair. A emergência não pode dispensar a justiça nem a caridade substituir os direitos.
Não nos podemos distrair com a aparente “agenda da emergência” e esquecer que existe outra. Se é verdade que o deficit económico é muito importante, se calhar deveríamos estar tão ou mais preocupados com o deficit democrático.
A governação europeia, hoje uma governação quase estritamente económico-financeira, está assente nos objetivos da Estratégia Europa 2020. Em relação ao combate à pobreza, sabemos que tal acordo é parco de ambições e, acima de tudo, é parco de estratégia. Declarou-se o objetivo de reduzir a pobreza em 20 milhões de pessoas até 2020. Mas tal acordo não inclui métodos ou objetivos comuns e os Estados-Membros deverão, cada um por si, e de acordo com as suas próprias visões e prioridades, contribuir para atingir este objetivo. O seguimento de tais objetivos é feito pela sua inscrição em Planos Nacionais de Reforma anuais (revistos semestralmente).
Se sabemos que tais Planos Nacionais de Reforma estão quase exclusivamente concentrados nos objetivos económicos – atualmente focados na redução dos défices públicos – são no entanto os únicos instrumentos de projeção de intenções que existem e que podem ser monitorizados em termos do seu progresso na obtenção de resultados. Ou seja, no plano político, são os únicos instrumentos onde se podem inscrever e programar compromissos de combate à pobreza e onde a sociedade civil pode participar como ativo contribuinte para a solução dos problemas.
Ora, o que é que é muito grave? É que os Estados-Membros que se encontram a cumprir memorandos de entendimento tripartidos (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e FMI) foram “dispensados” de produzir tais documentos. As atuais linhas de orientação para a produção dos Planos Nacionais de Reforma 2012, que deverão ser entregues à Comissão Europeia até meados de Abril, afirmam explicitamente esta decisão. O que é que isto quer dizer? Que Portugal se encontra afastado das principais decisões europeias! E os cidadãos portugueses impedidos de participar nesse processo e de fazer ouvir a sua voz. Isto é totalmente inaceitável. E é incompreensível como é que tal decisão seja totalmente desconhecida por parte dos cidadãos.
Pela gravidade de tudo isto e pelo de que impeditivo constitui para a possibilidade de os portugueses participarem nas decisões que lhes dizem respeito e afirmarem quais as suas propostas para combater um fenómeno que atualmente atinge quase dois milhões e meio de portugueses, exorto o Governo Português, e em particular o Senhor Primeiro-Ministro como seu líder, a não se deixar marginalizar pela governação económica europeia. Portugal deve produzir um Plano Nacional de Reforma e comprometer-se nesse plano com objetivos e ações claras nos domínios da inclusão social e do combate à pobreza. E a sua elaboração não deverá ser feita à revelia da sociedade civil que, como nos restantes Estados-Membros deverá ser um parceiro obrigatório.
Para além do apoio de urgência aos mais necessitados, apelo a que todos devemos responder com toda a nossa energia e capacidade criativa e de inovação social, creio que esta é que é a emergência social que nos deve preocupar e mobilizar. Sem um enquadramento político ao mais alto nível, ficaremos, de facto, condenados a assistir, sem que nada possamos fazer de verdadeiramente estrutural para construir uma mudança.