Ser criança nos dias de hoje não deve ser uma tarefa muito fácil. O horário alargado na escola, as atividades extracurriculares que ocupam o final do dia, os pais que trabalham ambos o dia todo e muitas vezes até de noite. Ainda o computador e as solicitações dos amigos no facebook, os vídeos no youtube e as fotos no Instagram. Toda uma nova linguagem que nós, adultos e pais também conhecemos, às vezes utilizamos, mas não dominamos da mesma forma que eles.
A atual geração das nossas crianças é uma geração muito atarefada, cheia de solicitações várias e de compromissos inadiáveis. Que não tem tempo para saborear um livro numa tarde de verão, de dormir uma sesta numa tarde de inverno, de ajudar a avó a fazer um bolo de laranja ou ajudar a mãe a dobrar os lençóis acabados de apanhar do estendal. São crianças que não vivem o momento, que vivem demasiado depressa tudo: a escola, os namoros, as amizades. Viver demasiado depressa não significa necessariamente viver melhor, nem de uma forma mais feliz. A felicidade não se mede e ainda bem! E não está dependente daquilo que se tem ou que se pode comprar.
Mas nós queremos crianças felizes, crianças que aproveitem cada dia, que se deliciem com um gelado e um mergulho no mar, que privilegiem as amizades reais e não as virtuais, que partilhem aquilo que têm e aquilo que sabem, mas sobretudo aquilo que sentem. Que cresçam e amadureçam com uma vida plena de sucessos, mas também de fracassos, que sejam capazes de distinguir o bem do mal e consigam salientar as coisas boas que lhes vão acontecendo.
Uma criança, cada criança, é um tesouro guardado a sete chaves, e nós, os adultos, quer sejamos os pais, tios, professores, educadores, temos por obrigação ajudar a descobrir o tesouro guardado e fechado. Temos por obrigação ajudar a construir a sua personalidade baseada em princípios muito simples: a honestidade, a liberdade, a partilha e, essencialmente, o amor.
No atual contexto de incerteza em que vivemos e que, decerto, afeta imenso a vida das crianças, temos por obrigação ser um porto de abrigo, ser alguém que acolhe e que protege, que orienta e acompanha.
A incerteza que paira nas nossas sociedades é condutora de inúmeras situações que podem ser prejudiciais à vivência de uma infância equilibrada; a incerteza decorrente do desemprego dos pais, da falta de oportunidades num futuro próximo, da dificuldade em vislumbrar um futuro onde seja possível sonhar e concretizar os sonhos.
O futuro é assim algo que para as crianças acaba por ser distante e de alguma forma difícil de interiorizar no sentido da inevitabilidade, mas apesar desta fraca consciência no futuro por parte da maioria das nossas crianças, nós, os adultos, devemos prover pelo seu futuro. Importa reter que o desenho do futuro das nossas crianças compete-nos e devemos encarar com responsabilidade esta tarefa. Com responsabilidade e com amor, com o amor incondicional que devemos dedicar às nossas crianças, com a entrega total e a vontade de estar sempre presente quando é preciso, com a certeza de estar a fazer o melhor, ainda que, por vezes, o melhor não seja suficiente. Conscientes de que o desenho do futuro das nossas crianças deve ser construído com eles, devemos auxiliar e proteger, com autonomia e responsabilização.
A noção de que devemos prover pelo futuro das nossas crianças implica um compromisso individual, mas também coletivo, de toda a sociedade e do Estado. O Estado, da forma como o entendemos – Estado Social, deve ser o garante dos direitos fundamentais das crianças. Do ponto de vista legal saliento a Declaração dos Direitos da Criança, que foi proclamada a 20 de Novembro de 1959 que tem como base e fundamento os direitos à liberdade, estudos, brincar e convívio social das crianças que devem ser respeitadas e preconizadas em dez princípios. A 20 de Novembro de 1989, as Nações Unidas adotaram por unanimidade a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), documento que enuncia um amplo conjunto de direitos fundamentais – os direitos civis e políticos, e também os direitos económicos, sociais e culturais – de todas as crianças, bem como as respetivas disposições para que sejam aplicados.
Este tratado internacional é um importante instrumento legal devido ao seu carácter universal e também pelo facto de ter sido ratificado pela quase totalidade dos Estados do mundo (192). Apenas dois países, os Estados Unidos da América e a Somália, ainda não ratificaram a Convenção sobre os Direitos da Criança. O facto de existirem estes instrumentos legais os quais Portugal ratificou e portanto se encontra comprometido, não invalida que se cometam muitos atropelos aos direitos das crianças em Portugal e pelo mundo fora.
A vivência de muitas das crianças do nosso país não é de forma nenhuma uma vivência tranquila por múltiplas razões. Advogamos que o bem-estar infantil resulta de múltiplas dimensões e a dimensão do rendimento familiar é apenas uma delas. Claro que se trata de uma dimensão muito importante e evidentemente que os números atuais da pobreza infantil em Portugal nos envergonham. Os últimos dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística que reportam a março de 2014 com base nos rendimentos de 2012 revelam que 24.4% das nossas crianças vivem em risco de pobreza. E os números não falam por si. São muito elevados e encerram muitas vidas que se encontram comprometidas pela condição económica das famílias.
O constante não investimento por parte das instâncias decisoras em políticas de apoio à família e à criança são o reflexo destes números. A crise económica e financeira que afeta Portugal desde 2008 tem vindo a ser encarada como um motivo para fortes cortes que afetam diretamente as crianças e os jovens (abono de família); quer ao nível de corte aos rendimentos das famílias pela via do salário, das pensões, ou do subsídio de desemprego. Esta opção politica que tem vindo a ser assumida reflete-se no dia-a-dia das crianças e das instituições que com elas se envolvem (as escolas, os hospitais, as instituições particulares de solidariedade social, entre outras). As dificuldades sentidas nestas instituições prendem-se sobretudo com a falta de profissionais com competências específicas, pois as problemáticas são cada vez mais diversificadas e exigem respostas que por vezes os serviços não conseguem dar (ao nível da psicologia e mesmo da psiquiatria). A falta de verbas é também uma das principais dificuldades, pois quer ao nível das escolas, quer ao nível das IPSS´s as restrições orçamentais implicam dificuldade em manter os postos de trabalho que existiam e contratar pessoal especializado. Assistimos assim a muitas instituições que se debatem com a necessidade de atender um maior número de casos, com os mesmos recursos humanos e muitas vezes com uma menor comparticipação por parte dos beneficiários. A escassez de recursos, quer humanos, quer financeiros acaba por colocar as instituições e as pessoas que nelas trabalham em situação de burn-out. Torna-se muito difícil para estas instituições desenvolver um trabalho de qualidade, aquele que é exigível a quem trabalha para e com as crianças em circunstâncias tão adversas como as atuais. Aqui refiro-me mais concretamente às instituições particulares de solidariedade social e às escolas, mas mesmo na área da saúde os cortes sofridos têm tido repercussões diretas na intervenção que é realizada por estes serviços.
As dificuldades impostas e acima descritas são avassaladoras e se isto se verifica ao nível dos serviços, a realidade de muitas famílias é ainda mais difícil. As crianças vivem maioritariamente no seio das famílias, salvo as exceções daquelas que se encontram institucionalizadas. Em Portugal o número de crianças institucionalizadas em 2012 eram 8.557 crianças e jovens no sistema nacional de acolhimento. Número bastante elevado apesar de ter vindo a diminuir desde 2004. A institucionalização das crianças é um assunto muito controverso e que daria por si só um artigo, pois existem argumentos que atestam a sua necessidade, em casos extremos, e argumentos que atestam a necessidade de atuar na prevenção das situações limite que evitem mais casos de institucionalização. Por outro lado, em Portugal o tempo de permanência em situações de acolhimento é muito elevado, situação que se torna muito grave, pois como sabemos o tempo de ser criança é muito curto. Os últimos dados de 2012 revelam que 16.9% de crianças e jovens estão há mais de sete anos no sistema de acolhimento. Retomando o título do artigo, qual o futuro destas crianças? Como se trabalha com estas crianças a sua entrada na vida adulta e a sua integração plena na sociedade? Não há resposta a estas questões, não de uma forma simplista ou unilateral. Há várias respostas porque cada criança é um ser singular e precisa de uma ajuda específica, que, muitas vezes e por vários motivos, o sistema não consegue dar. Adiar o futuro de uma criança que se encontra institucionalizada é muito penoso em termos emocionais e sociais para essa criança. A intervenção que é feita a este nível em Portugal deve ser repensada tendo como principal foco a criança, e os profissionais que gravitam em torno destas crianças, quer sejam os técnicos das instituições de acolhimento, os juízes, os professores devem, no cumprimento da lei, procurar minimizar os danos causados por uma institucionalização.
O futuro das crianças em Portugal, e agora já falando daquelas que se encontram inseridas em contexto familiar, é como disse antes um futuro incerto e pouco promissor. No entanto, importa encarar o futuro com otimismo e investir nas nossas crianças o mais possível, pois com a atual taxa de natalidade em Portugal e com a inversão da pirâmide etária que se verifica, é necessário investir no seu futuro, apostando sobretudo na educação. A educação é uma arma poderosa contra a pobreza e exclusão social e importa que se assuma um compromisso sério a este nível para que as próximas gerações se encontrem capacitadas para enfrentar os desafios do mercado de trabalho.
Quero acreditar que vai ser este o caminho, que vamos apostar mais no bem-estar infantil, investir mais na educação e formação das crianças e jovens, realizar uma gestão mais eficiente dos recursos disponíveis, priorizar o que realmente é importante e assumir um compromisso sério com todos os cidadãos no sentido de apoiar a construção de uma sociedade mais igualitária, onde todos tenham acesso aos mesmos meios para que possam atingir os seus objetivos e realizar os seus sonhos. Porque, como diz o poeta “ pelo sonho é que vamos”.