Durante muitos anos em Portugal e em toda a Europa, existia a ideia de que todas as refeições cozinhadas que não fossem servidas – apesar de estarem em perfeitas condições – teriam de ser deitadas fora. Era assim o entendimento da lei, todos se queixavam mas…nada acontecia para combater esta estranha e ridícula situação.
Em Fevereiro de 2008, enquanto cidadão português, escrevi para os vários representantes do povo: Presidente da República, Governo, Deputados da Nação, alertando-os para a situação e propondo que fossem encontradas soluções técnicas para alterar ou re-interpretar uma lei a que faltava um carácter humano.
Como as respostas foram curtas e inconsequentes, criei e lancei uma petição chamada Desperdício Alimentar, onde apelava para a alteração/interpretação da lei; lutei por ela e consegui, ao fim de algum tempo, largos milhares de assinaturas que começaram a dar visibilidade a esta causa e acesso aos órgãos de informação, com a televisão, jornais e rádio.
Mais tarde, numa primeira reunião na ASAE, cheguei à conclusão que existia uma generalizada má interpretação da lei e que sem a alterar, seria possível recuperar excedentes alimentares confeccionados, desde que fossem cumpridas determinadas (porém, simples) regras em segurança alimentar.
Juntando nove cidadãos portugueses que quiseram ser além-palavras, foi formada em Janeiro 2011 a Dariacordar, associação para a recuperação do desperdício que tinha como grande objectivo conseguir tornar legal a recuperação de um imenso desperdício. Após meses de trabalho em parceria com a ASAE, esse objectivo, passou a constituir uma prática legalmente enquadrada e respeitadora das boas regras de Higiene e Segurança Alimentar. Desta forma, foi possível assinar protocolos e obter parcerias com mais de 100 estabelecimentos, empresas, escolas, hospitais, hotéis, restaurantes, eventos e instituições que tinham excedentes alimentares e que finalmente não os tinham de deitar para o lixo e podiam cumprir com a sua responsabilidade social.
Agora tornava-se necessário criar uma forma de fazer chegar as refeições a quem precisava delas, pelo que a Dariacordar desenvolveu um Modelo Municipal de Funcionamento, sempre com o apoio dos Municípios que identificam as famílias necessitadas e indicarão as instituições (Centros Paroquiais, IPSSs, Misericórdias, Associações de Cidadãos) encarregues da recolha, acondicionamento, transporte e entrega dos excedentes alimentares. Estas instituições já têm veículos e voluntários para todo o processo de recolha e transporte das refeições e a Dariacordar providenciou-lhes a formação pro bono em segurança alimentar. Os beneficiários das refeições serão aquelas que forem identificadas pelas respectivas instituições. A cada um, o seu papel neste movimento de parcerias e sinergias.
Desta forma, cumpre-se a nossa concepção de não se desperdiçarem meios já existentes.
Depois de testar este Modelo de Funcionamento no município de Loures e em duas freguesias de Lisboa, os bons resultados começaram a chegar e a demonstrar a validade de todo o processo; era chegada a hora de mostrar ao País e tentar que esta atitude contra o desperdício passasse a fazer parte do ADN de todos os cidadãos.
Mais uma vez, fazendo bom uso de parcerias e sinergias a Dariacordar juntou parceiros de várias áreas e lançou o Movimento Zero Desperdício em Abril 2012. Deste movimento faziam parte dois websites, facebook, um Hino que juntou mais de 50 artistas e uma campanha na rua – sendo que tudo isto foi efectuado sem recurso a um cêntimo, apenas com a vontade e o know how de cada um.
Todo este movimento português que juntou cidadãos, empresas, universidades, instituições estatais e locais, tem vindo a ser acompanhado no estrangeiro por várias instituições (como a FAO, Comissão Europeia ou Conselho Europeu) como um exemplo de parcerias/sinergias e empreendedorismo, neste caso com resultados concretos e vantagens sociais, económicas e ambientais. Já estamos, juntamente com a ASAE, on line, no site da Comissão Europeia (direcção europeia da saúde e dos consumidores europeus), como um exemplo de Boas Práticas: http://ec.europa.eu/food/safety/food_waste/library/index_en.htm
Desde o início de Agosto 2014, visando a facilitação e a implementação em outros municípios, desenvolvemos um Manual de Réplica do Programa Zero Desperdício.
Em Portugal, para além dos novos municípios aderentes, a quem damos este manual, o guia também já foi enviado para a FAO e outras entidades estrangeiras que o solicitaram e traduziram para inglês. Uma ideia portuguesa que começa a andar pelo mundo. Entretanto, fomos convidados e já fazemos parte da Save Food, organização da FAO dedicada às questões do combate ao desperdício alimentar.
A Dariacordar tem participado em vários eventos na Europa, a fim de partilharmos esta nossa experiência que já tem seguidores, pois o Banco Alimentar da Hungria (que nos visitou em Lisboa e acompanhou todo o processo) já iniciou a implementação do Movimento Zero Desperdício em Budapeste.