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Caminhos possíveis para a formação de leitores

Caminhos possíveis para a formação de leitores

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Técnica Superior da Câmara Municipal de Loulé
É preciso uma aldeia inteira para criar um leitor.

adapt. do provérbio africano

Não nascemos leitores da palavra escrita. Não possuímos o gene da leitura. Na já extensa existência humana, a escrita é ainda uma produção recente de apenas 5000 anos.

Assim, para que a leitura e a escrita façam parte da nossa vida temos de nos tornar leitores. E isso resulta de uma aprendizagem social que se realiza na escola, algures entre os 5 e os 7 anos, através de um ensino explícito. Aí é suposto que, nos primeiros dois anos, as crianças se tornem competentes na mecânica da descodificação – o que lhes permite extrair das letras que formam palavras e frases o universo expressivo da oralidade – e na mecânica da codificação – transformando aquilo que dizem e pensam de si e do mundo em palavras e frases.

Mas na diversidade biológica e social que somos, chegamos aos primeiros anos de escola diferentemente preparados para essa grande aventura da infância: ler, escrever e compreender através da palavra escrita.

Como podemos então, responsavelmente, responder a esse tremendo desafio de inclusão e equidade, contribuindo para maiores níveis de coesão social?

É na qualidade de recurso da comunidade ao serviço da escola e das crianças que estão a aprender a ler, que surge o projeto L.E.R. Cãofiante.

O trabalho de equipa desenvolvido neste projeto assenta na cooperação entre uma bibliotecária e o seu cão de Educação Assistida por Animais, treinado como cão ouvinte, para ajudar crianças com dificuldades na leitura.

O L.E.R. Cãofiante, que é pioneiro em Portugal, iniciou-se em 2013, em Silves. Actualmente, este projeto da Câmara Municipal de Loulé, continua a ajudar e a fazer as delícias das crianças da pequena escola da aldeia de Querença, como resultado de uma parceria com a Fundação Manuel Viegas Guerreiro e o Agrupamento de Escolas Padre João Coelho Cabanita.

Leitura Inclusiva

Se ler resulta de uma aprendizagem social exclusivamente humana, porquê recorrer à presença de um cão? Nos 20 anos de existência internacional deste tipo de intervenção (surgiu em 1999, nos EUA), a investigação nesta área tem vindo a corroborar aquilo que a nossa prática e resultados confirmam: que a presença do cão em contextos de educação traz benefícios emocionais, sociais e fisiológicos às crianças; promove uma maior concentração nas tarefas; induz o relaxamento e ajuda a regular o stresse associado à prática de atividades que são difíceis (como acontece quando as crianças têm dificuldades na leitura). O cão permite às crianças experimentar atitudes e emoções positivas face à escola e a outros locais onde a leitura acontece (como as bibliotecas, por exemplo); a estarem disponíveis para uma aprendizagem mais comprometida, com consequências na melhoraria das competências leitoras, contribuindo também para aumentar a sua motivação para ler.

Assente em pressupostos científicos e em metodologias e provas validadas pela academia na área das competências leitoras, o L.E.R. Cãofiante oferece um treino regular e intensivo às crianças para quem ler é uma experiência mais difícil. Este treino, no qual o cão participa escutando pacientemente e sem crítica a criança nas suas tentativas de leitura, é sentido pela criança como uma oportunidade privilegiada, face aos outros colegas da turma. Experimentar o fracasso e a frustração na aprendizagem em idades tão precoces, expõe os alunos a uma baixa autoestima, resultante de inúmeros conflitos: cognitivos e emocionais – Porque é que não consigo aprender a ler? Tenho um problema? – e conflitos entre colegas e em relação à própria escola –Não quero ler. Não quero ir à escola. Não gosto de livros. Gozam comigo.

Tendo presente o inestimável valor que resulta da cumplicidade e coerência entre as pessoas com mais significado na vida das crianças, o L.E.R. Cãofiante trabalha também de forma comprometida com todas os colegas da turma onde estas se inserem, com a sua professora e com as suas famílias. Juntos, fazemos um trajeto de leituras ao longo do ano letivo (e por vezes, ao longo de vários anos), contribuindo cada um com os seus recursos, saberes e práticas. No final de cada ano, partilhamos em conjunto os resultados e as reflexões e, sempre que possível, reunimo-nos em alegre Cãovívio.

Se até ao presente o L.E.R. Cãofiante se tem centrado em trabalhar as dificuldades leitoras, em 2019-2020, iniciámos também uma nova abordagem centrada na prevenção dessas dificuldades.

Dando cumprimento às Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar no domínio da linguagem oral e da abordagem à escrita e aos dados da investigação sobre o envolvimento das crianças do pré-escolar na realização de tarefas na presença de cães amigáveis e treinados, adaptámos um programa de literacia emergente no qual já tínhamos experiência e, em colaboração com a educadora do jardim-de-infância de Querença e mediante autorização das famílias, introduzimos outro elemento nas sessões com as crianças de 4 anos. Agora, para além do livro, das histórias e das brincadeiras de reflexão sobre a linguagem, tínhamos também um novo participante, estimulante e desafiante, que dá coesão e alegria ao grupo: o MoMo (o cão do projeto). MoMo ajuda a contar as histórias participando como personagem, apresenta-se como modelo de ouvinte atento, seleciona tarefas e serve de reforço às tentativas bem-sucedidas das crianças.

A um ano de entrarem para o 1º ciclo, neste tempo atípico de pandemia de Covid-19, continuamos a trabalhar juntos para esbater as assimetrias sociais e linguísticas das crianças e para elevar o seu potencial, tendo em vista uma bem-sucedida futura aprendizagem da leitura.

 

 

 
Dezembro 18, 2020
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