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Cooperação e educação para o desenvolvimento: os desafios da atualidade

Cooperação e educação para o desenvolvimento: os desafios da atualidade

Investigadora do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto

“Dar o peixe, ensinar a pescar ou remover muros que impedem o acesso ao rio?”

Com a globalização e os meios de comunicação cada vez mais presentes no nosso dia-a-dia vamo-nos apercebendo das desigualdades e da injusta repartição da riqueza que existe no mundo. Os olhos e os pensamentos mais atentos são levados a refletir sobre as causas que estarão subjacentes a esta problemática, às quais se juntam o poder dos mercados e as relações económicas, sociais e culturais que se produzem/reproduzem a nível global. A educação para o desenvolvimento (ED) e a cooperação para o desenvolvimento (CD) têm precisamente um objetivo em comum – o de aprofundar o pensamento e impulsionar a reflexão sobre o que é o desenvolvimento, com o intuito de consciencializar os cidadãos sobre o que se passa a nível global e local no sentido de se mobilizarem para a ação. A cooperação para o desenvolvimento surge, precisamente, para dar resposta a esta desigualdade que existe a nível global e/ou local.

Assumindo-se como espaço de reflexão sobre estas questões da Cooperação para o Desenvolvimento e da Cidadania Global, realizou-se, nos dias 14 e 15 de março de 2013, o colóquio internacional intitulado Cooperação e Educação para o Desenvolvimento: Lições e Perspetivas” organizado pelo Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP) e pelo Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (CIIE/FPCEUP). Este colóquio contou com conferencistas nacionais e estrangeiros e com um público atento e interessado em problematizar os conceitos e as práticas inerentes à cooperação em educação, bem como, encontrar respostas para a implementação efetiva de projetos, discutir lições aprendidas e ir ao encontro de outros atores, agendas e contextos. Foi, ainda, um tempo para debater as questões complexas do desenvolvimento no âmbito da cidadania global, pela análise do estado da ED em Portugal, no quadro da implementação da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento (ENED).

Não sendo possível realizar um resumo alargado de todas as conferências, este artigo tem como objetivo contribuir para a continuidade das reflexões e das discussões iniciadas no colóquio e lançar questões-desafios, para que a reflexão em torno da ED e da CD na área da educação se prolongue noutros encontros de cariz teórico-prático/de cariz científico. Para tal, salientamos apenas alguns dos aspetos que nos pareceram mais pertinentes e lançamos outras questões em tom de desafios.

 

Cooperação e Educação para o Desenvolvimento no Mundo

O colóquio iniciou com a comunicação de Manuela Mesa, do Centro de Educación e Investigación para la Paz (CEIPAZ), que partilhou uma visão diacrónica/histórica da área da educação e da cooperação para o desenvolvimento, estabelecendo uma relação entre as ambas, numa teoria constituída por cinco gerações (ou modelos), cada uma constituindo uma forma diferente de entender o próprio conceito e as práticas de desenvolvimento. De forma a metaforizar esta evolução, a autora recorreu a um provérbio chinês – “Dê um peixe a um homem faminto e alimentá-lo-á por um dia. Ensine-o a pescar, e estará a alimentá-lo para o resto da vida” – adaptando-o às atitudes características de cada modelo. Assim, a teoria inicia com o Modelo Assistencialista, na década de 50, no qual o desenvolvimento é visto com base nas questões humanitárias, materiais, na referência aos níveis de atraso dos outros países, na necessidade de se recolher fundos para superar essas carências de povos do sul. Desta feita, considerando o contexto, o pensamento e a ação que caracteriza este primeiro modelo, a ideia subjacente era a necessidade de dar o peixe a estes países/povos, no sentido de suprir as necessidades e impulsionar o desenvolvimento. A década de 60 é caracterizada pelo Modelo Desenvolvimentista, quando a ideia do desenvolvimento ocidental foi generalizada. Entendeu-se que era necessário apostar na criação de infraestruturas para atingir o desenvolvimento dos países do norte que deveriam apoiar os países do sul a atingir os seus níveis, numa atitude completamente eurocêntrica. Facilmente se compreende o surgir de projetos e programas de cooperação com esta filosofia de ação. Agora, a centralidade está no ensinar a pescar, pois o sul começou a ser visto como possuidor de vastos recursos naturais mas com falta de conhecimento para os explorar e assim impulsionar o desenvolvimento. É nesta época que as Nações Unidas desenvolvem o conceito de Ajuda ao Desenvolvimento. Para a década de 70, a autora identifica o Modelo Crítico Solidário contextualizado peladescolonização, aquando a emergência dos movimentos sociais e dos novos pensadores do desenvolvimento. Nesta altura é criticada a divisão entre países desenvolvidos e países subdesenvolvidos, uma vez que se entende agora que esta divisão não depende dos mesmos mas sim do modelo económico que obriga a uma ordem internacional que enriquece uns e empobrece outros. Este modelo põe em causa as formas de pensar o desenvolvimento e a cooperação, critica a ajuda e reclama uma nova ordem económica internacional, exige alternativas para e com os países do sul. Nesta fase os discursos dominantes centram-se na crítica aos estereótipos e pretendem fazer ver que os países do sul estão já a trabalhar no desenvolvimento, mas com novas formas e meios. Logo, segundo a autora, os países do sul têm o peixe, tem conhecimentos para pescar, o problema é que as pessoas não conseguem chegar ao rio pois existem muros bem altos que as impedem. Na década de 80, surge o Modelo de Desenvolvimento Humano e Sustentável, marcado por um pensamento de sustentabilidade, influenciado pelos limites ambientais mundialmente assumidos. O desenvolvimento, segundo este modelo, deve ser um processo que deve satisfazer a geração atual sem prejudicar a geração futura, nomeadamente, evitando esgotar os recursos e meios disponíveis. Questiona-se o modelo de cooperação norte/sul e as razões para os seus resultados pouco satisfatórios. Tal como refere a autora, mesmo que as pessoas cheguem aos rios, devem ter cuidado com a forma de pescar para não esgotar os recursos. Por último, caracterizando o período que decorre da década de 90 até aos dias de hoje, Manuela Mesa enuncia o Modelo Educação para Cidadania Global. Neste modelo, predomina a visão que a globalização gera uma mundialização dos problemas, transformando-os de locais em globais, e vice-versa, e impulsiona a existência de desigualdades (mesmo dentro dos países considerados mais desenvolvidos). Nesta fase é essencial a formação de cidadãos consciente e ativos que tomem nas mãos o futuro da sociedade em que vivem, de forma a lidarem com os desafios de forma reflectida.

Conscientes de que estes modelos coexistem nos nossos dias, torna-se urgente a reflexão sobre a ação, sobre o trabalho de cooperação no sentido de compreender as causas da persistente desigualdade e distribuição da riqueza que caracteriza o mundo de hoje. É essencial uma postura de cidadãos ativos ao refletirmos sobre o meio em que estamos inseridos e não nos limitarmos à conformação, à inércia que por vezes nos amarra as vontades e atitudes. É necessário um pensamento baseado em ED, desperto para o outro e com o outro. Para Luísa Teotónio Pereira, do Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral (CIDAC), já não se deve falar em Educação para o Desenvolvimento, mas sim em Aprendizagem para o Desenvolvimento, uma vez que este é um processo no qual todos estamos constantemente a aprender uns com os outros. Nesta linha, qual deverá ser a nossa postura enquanto agentes de desenvolvimento? A de um mero parceiro “ageográfico”? A de alguém que tem muito a partilhar? A de quem tem muito a aprender?
Em Portugal, estas questões têm vindo a ser trabalhadas no contexto da Estratégia Nacional de Educação para o desenvolvimento, e foi sobre isso que nos falou La Salete Coelho (ESE-IPVC/CEAUP), responsável pela monitorização da mesma, apresentando os resultados do primeiro relatório de acompanhamento, relativo a 2010-2011, bem como as recomendações e os desafios que as organizações nacionais têm enfrentado.

 

Cooperação para o Desenvolvimento – Vozes legitimas e/ou legitimadas

Unindo a teoria às práticas veiculadas nos projetos de CD, o colóquio quis dar voz a quem se encontra nos contextos de atuação destes projetos. Estiveram presentes: Alexandre Furtado, em nome da ONGD guineense Fundação Educação e Desenvolvimento (FED), e representantes de algumas das ONGD portuguesas que desenvolvem projetos de cooperação para o desenvolvimento na área da Educação em São Tomé e Príncipe, na Guiné-Bissau e em Moçambique. Das experiências e reflexões que trouxeram, destacam-se algumas ideias fundamentais.

Alexandre Furtado apresentou os projetos de desenvolvimento comunitário da FED, muito assentes numa forte participação da comunidade, privilegiando o desenvolvimento de capacidades, a formação, a alfabetização e a melhoria no acesso à água e aos meios de produção agrícola. Veiculou a ideia de que os projetos devem reforçar as infraestruturas e impulsionar a educação e as tecnologias, em suma, promover o desenvolvimento sustentável e contribuir para o melhoramento global do nível de vida das pessoas. O desenvolvimento deve ser refletido com base numa visão integrada, interdisciplinar e concretizada em parcerias locais e internacionais, sustentadas em conteúdos mais contextualizados, pois tal como referiu “nada sobre nós sem nós”.

Teresa Santos, do Instituto Marquês Valle Flor (IMVF) questionou a razão pela qual a cooperação investe na educação. Será pelo objeto em si, pela literacia; pelos benefícios que a educação traz ao nível da inclusão, da melhoria da qualidade de vida, de saúde; ou pelas externalidades, pelo crescimento económico e pela promoção social? A resposta a estas questões é complexa. Quem as terá serão certamente as populações que sabem bem o que querem, talvez apenas precisem de um apoio exterior que as faça ir mais longe, mas ao seu ritmo. Por estarem conscientes de que a cooperação para o desenvolvimento passa por dar voz aos agentes locais de desenvolvimento, do discurso de Telma Santos ressalta a boa-prática da Fundação Fé e Cooperação (FEC) na inclusão de cada vez mais guineenses nas equipas reginais. Destaca-se, ainda, a visão da Educação Integrada como polo de desenvolvimento, assente numa intervenção sistémica, com parcerias em rede e na adaptação de recursos materiais. Sara Borges, dos Leigos para o Desenvolvimento, evidenciou o facto do financiamento por si não garantir a sustentabilidade dos projetos. De acordo com sua experiência, depois de um grande financiamento ter gerado várias “escolinhas” na província do Niassa, as que não sucumbiram ao desaparecimento após a falta deste foram as que criaram mecanismos endógenos de sustentabilidade. Aliás, vários autores têm refletido sobre a ideia de que a ajuda ao desenvolvimento é, muitas vezes, inútil ou até nefasta para os países e comunidades que dela beneficiam.

 

Educação em contexto de fragilidadeA experiência da INEE

A educação em contexto de fragilidade foi outro tema abordado no colóquio. Geralmente, em situações de emergência/fragilidade, os doadores, consideram a educação como uma segunda prioridade, uma vez que não se trata de uma questão de sobrevivência imediata. Porque se torna, então, tão importante a aposta na educação nestas situações? A primeira razão é óbvia: a educação é um direito humano universal e irrevogável em qualquer situação, com benefícios inter-geracionais na vida das pessoas no que refere ao crescimento, à segurança e ao desenvolvimento. Em ambientes seguros, os alunos têm mais oportunidade para um retorno à “normalidade”, menos probabilidades de serem explorados sexualmente ou economicamente e de estar expostos a outros riscos, tais como casamento precoce ou forçado, recrutamento para grupos de forças armadas ou crime organizado.

Segundo o conferencista Peter Transbourg, da Inter-Agency Network for Education in Emergencies (INEE), 28 milhões de crianças no mundo vivem em situações de emergência. Tendo em conta que, em média, um conflito dura 12 anos, não investir na educação destas crianças significa deixar uma geração (e, provavelmente, a seguinte) ao abandono, sendo-lhe negada a oportunidade de desenvolvimento duradouro a indivíduo e à sociedade a que pertencem. Apesar de serem comprovados os benefícios da educação em situações de emergência, apenas 2% do total da ajuda humanitária é concedido à educação.

 

Reflexões Finais

Revisitando a metáfora do proverbio chinês acima anunciada, questiona-se: qual a metáfora de “pesca” para o quinto modelo/geração? Qual o papel comunitário? Que regras mudar? Não teremos que pensar em formas globais e locais de derrubar os “muros” existentes que isolam os “rios”? Caso persistam os “muros”, em acordo mútuo, não será de se construir “pontes” que permitam a passagem e o acesso ao “rio”? Quem poderá garantir que os modelos de “pesca” destas comunidades não são mais eficazes e sustentáveis? Não teremos muito a aprender com estas comunidades? Não estaremos nós viciados/limitados com os nossos modelos de “pesca” de tal forma que não damos ouvidos a outros modelos que acabam por ter tantos ou mais resultados?
Julgamos ser necessário continuar a revisitar e a questionar a(s) teoria(s) vigente(s), os conhecimentos e as ações no que refere à cooperação e ao desenvolvimento nesta complexidade de ideias de dependência e interdependência e entre ao que se dominava norte e sul.

Maio 7, 2013
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