“Só estudei até aos 10 anos. Fiz a 3ª classe. Depois, fui apanhar erva para o campo. Naquele tempo, só andavam duas raparigas na 4ª classe.” disse Maria Emília Fernandes Bastos em conversa com o neto.*
A História faz-se de palavras, de vozes, de vidas. Maria Emília fala-nos do passado recente de Portugal, concretamente da realidade de Santa Maria da Feira, um concelho em que 50% da população frequentou apenas o 1º ciclo do ensino básico, a taxa de analfabetismo é superior à média nacional e a maioria dos desempregados são mulheres.
Segundo os dados mais recentes do Índice de Igualdade de Género (Gender Equity Index 2012), que mede o fosso existente entre mulheres e homens na educação, no empoderamento político e na participação económica, Portugal tem uma classificação genérica de “baixo”.
No entanto, concretamente na dimensão referente à educação, na qual se examina o fosso de género existente nas matrículas no sistema de ensino em todos os níveis, atingiu um valor “Aceitável”, sendo este o valor máximo da grelha.
De facto, nas últimas décadas, Portugal fez um progresso notável na escolarização e educação das mulheres. O problema é que o mundo é muito maior do que Portugal e neste mundo em que vivemos continuam a haver 796 milhões de adultos analfabetos dos quais 2/3 são mulheres.
No Paquistão apenas 4 em cada 20 mulheres com menos de 15 anos sabem ler e escrever, comparativamente com 70% dos homens. Apesar de já terem havido progressos nos últimos anos, só 60% das meninas têm acesso ao ensino primário comparativamente com 70% dos homens. Já no ensino secundário apenas 29% das mulheres estão a estudar. Isto significa que 8 milhões de raparigas em idade escolar (ensino primário e secundário) estão fora do ensino.
Na Tanzânia mais de 4 milhões de mulheres são analfabetas e mais de 1,2 milhões de raparigas adolescentes estão fora do ensino. A gravidez precoce dificulta o acesso à educação das raparigas, sendo este um dos aspetos pelo qual são discriminadas. Segundo o governo desse país, entre 2007 e 2009, 25000 raparigas abandonaram os estudos por estarem grávidas (provavelmente os números reais são ainda mais altos).
Infelizmente, existem histórias como a de Maria Emília no Paquistão, na Tanzânia, entre muitos outros países e não são histórias com 70 anos, são histórias dos dias de hoje.
A igualdade de oportunidades não se resume à paridade no acesso à educação. Se assim fosse como é que se justifica que em Portugal, apesar de homens e mulheres terem igual acesso à educação, continue a haver uma discrepância de género tão grande no que se refere à participação política e económica?
A igualdade de género e consequentemente a igualdade de oportunidades também não é uma questão que esteja diretamente relacionada com a riqueza do país. Se assim fosse como é que se justifica que segundo o Índice de Igualdade de Género, Portugal esteja abaixo da Mongólia e ao mesmo nível da França e do Ruanda?
Diria que a paridade no acesso à educação é apenas o primeiro de muitos passos a dar rumo à igualdade de oportunidades e, depois de ser dado, voltar atrás é um erro.
Contudo, em muitos países nem este primeiro passo foi dado, noutros, surge o medo de que a crise se torne o álibi para o retrocesso.
O acesso à educação é um direito humano universal. Um direito humano, independentemente do género. Um sistema educativo forte, em conformidade com o princípio da não discriminação, é a chave para a promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, que certamente influenciará todo o funcionamento da sociedade. A igualdade de oportunidades não é uma questão que só afeta as mulheres, é uma questão que afeta o desenvolvimento e o futuro de toda a sociedade.
*Recolha de testemunho filmado no âmbito de um projeto desenvolvido pela ONGD Rosto Solidário.