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Estilos e condições de vida em Portugal quatro décadas depois de abril

Estilos e condições de vida em Portugal quatro décadas depois de abril

Diretora executiva da EAPN Portugal

Nas últimas quatro décadas, as mudanças na sociedade portuguesa foram muito significativas. Portugal sofreu uma grande evolução social, cultural e económica. Em quarenta anos, passou a viver-se numa sociedade muito diferente. A Revolução de Abril de 1974 alterou radicalmente a vida política, o que teve implicações sociais, culturais e económicas de grande dimensão. A Constituição da República Portuguesa promulgada em 1976 criou um quadro institucional providencialista com a consagração dos direitos sociais enquanto elemento integrante da cidadania e permitiu que se tenha percorrido no nosso país um profícuo trajeto de mudança em dimensões fundamentais da sociedade como por exemplo, a saúde, a educação, a proteção social, o trabalho.
Outro marco histórico que implicou mudanças que possibilitaram alcançar uma melhoria das condições de vida da população em geral foi a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (hoje União Europeia) que se tornou efetiva em janeiro de 1986.

 

Educação

Abril trouxe a promessa de uma escola para todos. A educação abriu-se à democratização e à heterogeneidade social da educação. Portugal acordou para o flagelo do trabalho infantil e para o abandono escolar em massa. No início da década de 80, a população portuguesa caracterizava-se por níveis extremamente baixos de escolarização. Cerca de oitenta por cento dos indivíduos apresentava no máximo 4 anos de escolaridade, subsistindo cerca de 20 por cento de analfabetos. Em contrapartida, a percentagem de população com ensino superior situava-se em menos de 2 por cento.
Sem dúvida que o nível de instrução atingido pela população portuguesa progrediu de forma muito expressiva. A taxa de analfabetismo da população sofreu uma redução de 25,7% em 1970 para 5,2% em 2011. A generalização da cobertura da população pelo sistema de educação, refletindo também o impacto do aumento da escolaridade obrigatória de 6 anos em 1964 para 9 anos em 1986 – implicou uma significativa alteração da distribuição da escolarização da população (total e ativa) nas últimas décadas.
No entanto, e apesar desta evolução positiva, o atual nível médio de escolarização da população portuguesa permanece particularmente baixo face ao conjunto dos países desenvolvidos. O abandono precoce da escola não é ainda uma realidade estanque.

 

Saúde

O estado de saúde da população foi outra área que registou melhorias muito significativas, graças à ampliação da oferta de cuidados de saúde (aumento da cobertura e generalização do acesso) e ao acréscimo de recursos (humanos, financeiros e técnicos) disponibilizados. Até 1979, ano da criação do SNS (Serviço Nacional de Saúde), a assistência médica competia às famílias, a instituições privadas, às misericórdias e aos serviços médico-sociais da Previdência. Ao Estado competia apenas a assistência aos pobres. Com a criação do SNS, o acesso aos cuidados de saúde passa a ser garantido a todos os cidadãos (portugueses ou estrangeiros), independentemente da sua condição económica e social.
Por outro lado, outros fatores como a generalização do saneamento básico, do abastecimento domiciliário de água potável, a melhoria da alimentação e da habitação permitiram também obter ganhos significativos nos indicadores da saúde da população.
A taxa da mortalidade infantil é um exemplo paradigmático disso mesmo. A grande melhoria das condições de vida dos portugueses, particularmente depois de 1974, traduzida pela criação do Serviço Nacional de Saúde, pela condução de programas de saúde (como o Programa Nacional de Vacinação, cuidados materno-infantis, com relevo para o planeamento familiar,) e por grandes obras públicas de construção de infraestruturas de saneamento, do meio ambiente, bem como por melhor habitat, estão na origem do sucesso verificado na redução da mortalidade infantil. Portugal foi um dos países que melhores resultados obteve nesta área, apresentando atualmente uma das taxas de mortalidade infantil mais baixas em todo o mundo.
O relatório sobre as desigualdades na saúde na União Europeia de 2011 indica que a média entre os 27 no que diz respeito à mortalidade infantil caiu de 5,7 mortes por cada 1000 nados-vivos para 3,9 em dez anos, situação que coloca Portugal na sexta posição dos países com menos mortes infantis, lugar partilhado com Espanha e Chipre. A base de dados Pordata, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, apresenta já a média portuguesa relativa a 2012 e situa-a em 3,4.
Efetivamente, ao comparar?se a taxa de mortalidade infantil registada em 1970 (por cada 1000 crianças nascidas, 53,7 morriam antes de completar o primeiro ano de vida), verifica?se que o país teve uma melhoria considerável neste indicador.

Proteção Social

A pobreza era uma condição com que se convivia com normalidade até 1974, porque correspondia aos padrões de vida de grande parte da população. A revolução inaugurou o sistema universal de proteção social, principalmente porque se estabeleceu um regime não contributivo…A democratização das instituições e da sociedade deu lugar ao aparecimento de um sistema integrado de segurança social e à proteção de riscos antes ignorados, como por ex. a maternidade, a 1ª infância, a invalidez e a velhice.A ampliação dos riscos sociais a cobrir pela proteção social pública foi sendo realizada ao longo das décadas de 70 e 80 com a atribuição de novas prestações sociais – licença de maternidade, pensão social, subsídio de desemprego, abono de família, etc.
As prestações que apresentaram taxas médias de crescimento anual mais elevadas durante as quatro décadas foram as de velhice e de sobrevivência (mas partindo de uma base relativamente pequena), praticamente o dobro dos crescimentos das prestações familiares de doença e de maternidade. As prestações relacionadas com o desemprego e o apoio ao emprego também registaram uma elevada taxa de crescimento em média anual, o que reflete em parte a evolução populacional e do sistema social e económico.
Por outro lado, a evolução das políticas de proteção social foi rápida e relevante no período que se seguiu à adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE).
Já em meados da década de 90 foi criado o Rendimento Mínimo Garantido (RMG), resultado de uma recomendação do Conselho Europeu de 1992, no sentido de todos os estados membros da União criarem políticas de apoio ao rendimento dos grupos mais pobres da população.
Outro exemplo paradigmático da nova geração de políticas sociais ativas é o Mercado Social de Emprego que visava a compatibilização entre a economia e a integração social de categorias e grupos sociais desfavorecidos.

Emprego e salários

A terciarização foi rápida com redução drástica do sector primário e estabilização da população industrial. Aumentaram significativamente os funcionários dos sectores da saúde e da educação e assistiu-se a uma expansão do comércio, da restauração e hotelaria, do sistema bancário e das telecomunicações. Em paralelo com a terciarização, reforçaram-se a litoralização e a urbanização. Prosseguiram as migrações internas, levando a população a concentrar-se no litoral e nos centros urbanos, de preferência nas duas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto
Outro aspeto importantíssimo a assinalar é o crescimento da taxa de atividade das mulheres, estas passam a estar presentes em todas as empresas, profissões, escolas e universidades. Modificou-se profundamente a presença da mulher na sociedade e no espaço público. Em muitos sectores de atividade, como a Administração Pública e os serviços, especialmente na saúde e na educação, as mulheres são maioritárias.
O desemprego global foi sempre baixo e abaixo dos 10%, afetando particularmente as mulheres e os jovens e os trabalhadores sem grau de instrução ou apenas com o ensino básico.
Por outro lado, no que diz respeito aos salários e por comparação aos outros países europeus Portugal ocupa sempre o último lugar, muito longe dos países mais ricos e das médias europeias.

Habitação

No domínio da habitação é inquestionável a melhoria generalizada do parque habitacional e das condições de habitabilidade, no que diz respeito a infraestruturas básicas como eletricidade, água, esgotos, etc. Regista-se também um aumento significativo da habitação própria em detrimento do arrendamento.

 

Economia

Em 1970 o poder de compra dos portugueses (PIB per capita), medido em paridades de poder de compra, situava-se em cerca de metade da média europeia. Entre 1977 e 1994, o poder de compra em Portugal aproximou-se progressivamente da média europeia e de 1995 em diante, e considerando o alargamento a 28 países membros, o indicador de paridade de poder de compra para Portugal rondou os 80% do total da média europeia, embora com algumas oscilações.
No entanto, nos 3 últimos anos verificou-se uma quebra do poder de compra de 4,2 p.p., que se situou em 2012 em 76,1% da média dos 28 Estados Membros da UE.

Consumo das famílias

O consumo das famílias aumentou significativamente entre 1970 e 2013. Entre o final dos anos 80 e o final dos anos 90 chegou o ciclo dos bens de consumo individual e doméstico (telefone, televisão, máquinas de cozinha e de roupa, automóvel, computadores, telemóveis) tiveram uma notável expansão e generalizaram-se à maioria dos agregados familiares. Com eles nasceu a sociedade de consumo de massas e desenvolveram-se as classes médias. Ao mesmo tempo, alargaram-se as desigualdades sociais.

 

Pobreza e Desigualdades Sociais

Apesar dos progressos e aumentos de rendimento indiscutíveis, persistiram sempre bolsas de pobreza e de exclusão e grupos que não beneficiaram da melhoria das condições médias de vida. Os níveis de pobreza persistentemente elevados em Portugal representam uma questão incontornável no processo de desenvolvimento da economia portuguesa nas décadas mais recentes
A taxa de risco de pobreza sempre foi uma das mais elevadas da EU, bem com o nível de desigualdades sociais.
No entanto, os mais recentes dados divulgados revelam os valores mais elevados de toda a série publicada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) I desde 2004.
Os últimos dados apontam para 19,5% de pobres. O aumento do risco de pobreza abrangeu todos os grupos etários, tendo sido mais elevado no caso dos menores de 18 anos, registando uma taxa de 25,6%. Por outro lado as famílias com crianças dependentes estão mais expostas ao risco de pobreza, 23%. Aumentou também a taxa de risco de pobreza para a população idosa – 15,1%. O risco de pobreza em situação de desemprego foi de 40,5% e a população empregada apresenta uma taxa de risco de pobreza de 10,7%.
Antes de qualquer transferência social a taxa de risco de pobreza seria de 47,8%.
A taxa de intensidade da pobreza que mede em termos percentuais a insuficiência de recursos da pobreza em risco de pobreza foi de 30,3%.
Outro indicador de pobreza (que tem a vantagem de não depender do rendimento médio da população) é o que mede a privação material das pessoas. No ano passado, 25,5% dos residentes em Portugal viviam em privação material, mais 3,7 pontos percentuais do que em 2012 (21,8%), enquanto 10,9% da população estavam em privação material severa, ou seja, existiam famílias sem acesso a pelo menos quatro dos itens considerados pelo INE.
As desigualdades de rendimento, medidas pelo índice de Gini, que haviam regredido entre 2005 e 2010, acentuaram-se nos anos de austeridade. Em 2013 o Coeficiente de Gini – indicador de desigualdade na distribuição dos rendimentos entre todos os grupos populacionais registou um valor de 34,5%. Por outro lado, a assimetria na distribuição dos rendimentos entre os grupos da população com maiores e menores recursos manteve a tendência de crescimento verificada nos últimos anos.
Estes indicadores são o espelho mais fiel das lógicas de ação neoliberais que têm dominado o espectro político. Nos últimos anos e no âmbito da intervenção da Troika em Portugal e de uma politica austeritária assistimos a um enorme recuo da provisão pública em diversos domínios, sustentado por um argumentário baseado em critérios de eficiência e eficácia da despesa social; e numa visão assistencialista e emergencialista  da Ação  Social em  detrimento  de  uma  abordagem  pelos  direitos  e  sustentada  em medidas  preventivas.
Em suma, podemos dizer que se são inquestionáveis os avanços verificados em sectores básicos como a educação, a habitação, a saúde, a proteção social e mudanças significativas na melhoria das condições de vidada população portuguesa, no entanto, essa mudança não chegou a muitos portugueses!

Outubro 27, 2015
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