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Expressões psicodramáticas: ensaios de técnicas psicodramáticas na deficiência mental

Expressões psicodramáticas: ensaios de técnicas psicodramáticas na deficiência mental

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Coordenadora de CAO e Psicóloga, APPACDM-VNG

No âmbito da intervenção psicológica realizada com jovens e adultos com deficiência mental moderada e ligeira integrados na resposta social de Centro de Atividades Ocupacionais (CAO) da APPACDM-V.N.Gaia (Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental de Vila Nova de Gaia) é dada primazia à intervenção em grupo.

Uma das atividades com mais tradição e que continua a ser desenvolvida designa-se de DPS (Desenvolvimento Pessoal e Social) e consiste em grupos de discussão de diferentes temáticas sugeridas por clientes da instituição e pelos seus significativos, assim como por colaboradores de intervenção direta, moderados por um psicólogo. Esta atividade começou por ser comum a todos os clientes de CAO e evoluiu para a criação de um nível 2, caracterizado por uma participação mais efetiva por parte dos clientes que dele fazem parte, a par de uma atitude menos diretiva por parte do moderador. Enquanto que no nível 1 o moderador tem cada sessão preparada, com dinâmicas e materiais de apoio adequados a cada temática; no nível 2, os clientes são capacitados para eles próprios explorarem os temas e prepararem sessões a apresentar aos colegas que participam no nível 1.

Foi sempre evidente que as sessões desta atividade nunca poderiam ser apenas discursivas. A necessidade de materiais de apoio, com pistas visuais, que facilitem a concretização dos temas, bem como a repetição dos mesmos e a sua síntese e reformulação ao longo de cada sessão e ao longo do programa, é uma realidade constante, verificando-se alguma dificuldade por parte dos clientes em reterem a informação transmitida, fazendo aquisições que se mantenham ao longo do tempo. Ou seja, apesar dos clientes de CAO manifestarem grande agrado com a atividade, valorizando a possibilidade de terem voz na discussão de temas que lhes dizem respeito, mesmo a curto prazo, no intervalo de duas sessões, muitos dos temas podem ser quase na totalidade esquecidos pelos clientes com mais desafios em termos de memória. Os efeitos positivos desta atividade, salvo no que diz respeito a clientes com mais competências, estão presentes, sobretudo e como referido, em termos da manifestação de agrado por parte dos clientes por participarem nas sessões e nos proveitos tirados no momento, em termos de exploração das temáticas.

Esta avaliação da atividade levou a que pensássemos em inovar na intervenção e antes mesmo de iniciarmos estes ensaios psicodramáticos, já procurávamos selecionar, de entre os psicólogos candidatos a estágio na nossa instituição, pessoas com sensibilidade para esta área.

Demos os primeiros passos logo no início de 2013 com Mariana Amorim, uma psicóloga recém-licenciada, sem formação ou experiência específica em Psicodrama, mas com grande potencial de desenvolvimento, aliado a experiência pessoal no âmbito do Teatro e grande entusiasmo pelo desafio. Coube-lhe o desenvolvimento do primeiro programa de Expressões Psicodramáticas, quer em termos de conceção teórica quer na concretização das sessões. Seguiu-se-lhe Henrique das Neves, também ele recém-licenciado, embora com experiência de participação em sessões de Psicodrama no seu estágio curricular e profissionalizante, o que nos permitiu introduzir estratégias consolidadas na prática, conseguindo adaptá-las com sucesso à população-alvo. Os resultados de cada um dos programas foram muito positivos, superando qualquer expectativa.

Consideravamos, portanto, que o DPS, enquanto atividade de intervenção em grupo, teria maior potencial em termos de resultados com clientes com menos desafios em termos cognitivos, sobretudo no que diz respeito a capacidades mnésicas. Assim, a atividade de DPS, comum às respostas de CAO e de Formação Profissional, terá mais probabilidades de produzir resultados efetivos nos clientes da última. A sua aplicação a clientes de CAO terá efeitos potenciados pela articulação com as Expressões Psicodramáticas, uma vez que concretiza o que foi abordado de forma mais teórica.

Uma revisão da literatura sobre aplicação do Psicodrama Moreniano a população com deficiência mental permitiu-nos verificar a sua validade em termos terapêuticos noutros países, percebendo que, no nosso, a aplicação incide, pelo que conseguimos apurar, sobretudo em casos de duplo diagnóstico, mais voltado para o domínio da doença mental.

A designação dada à atividade foi a de Expressões Psicodramáticas, em primeiro lugar porque não se trata de desenvolver sessões de Psicodrama, já que não possuímos competências ou formação específica nessa intervenção, embora a inspiração relativamente à atuação do técnico moderador, bem como a interação promovida junto do grupo, os objetivos de trabalho e técnicas a aplicar se baseiem no trabalho de J.L.Moreno. Contudo, os programas são totalmente adaptados e destinados à população a que se destinam. A atividade é orientada pela emoção, pelo grupo e pela co-criação.

Nas Expressões Psicodramáticas os clientes são envolvidos na simulação, através de role-playing, de situações geralmente abordadas de forma mais superficial, porque o são sobretudo através da chuva de ideias e do debate, no DPS.

Através da ação direta e da observação dos outros (modelagem) potencia-se a consolidação de competências, por exemplo, de resolução de problemas. Os exercícios desenvolvidos nas sessões semanais vão aumentando de complexidade à medida que o próprio grupo vai evoluindo nas suas competências de escuta, abstração, controlo corporal e emocional. A complexificação dos exercícios associa-se também à sua especificidade, de forma a responderem às necessidades de cada grupo. Os recursos facilitadores são sobretudo não-verbais e simbólicos. A título de exemplo, podemos referir um exercício em que um grupo de clientes é colocado num cenário em que devem agir como se estivessem em público, numa festa. Devem escolher um par para dançar. Enquanto dançam, o moderador vai incluindo outros elementos, que mudam o rumo da ação e aos quais os participantes se devem adaptar, como por exemplo o facto do piso estar escorregadio e alguém cair. O que faz cada participante numa situação destas? E, após esta introdução de elementos, seguem-se outras, potenciando a adaptação a situações inesperadas. Esta é uma forma de aprendizagem natural e mesmo inconsciente, feita sem exigir grande esforço de atenção ou concentração por parte de pessoas que têm, com grande probabilidade, dificuldades a esses níveis. Este tipo de aprendizagem é a que acontece, de forma geral, no nosso dia-a-dia e é possível, através dela, interiorizar e integrar, de forma ativa, inúmeras questões.

Contudo, e apesar de potenciar a espontaneidade na participação dos clientes, há um caráter intencional das sessões, às quais é atribuído significado através de uma discussão final em jeito de síntese e conclusão. A espontaneidade, associada ao potencial criativo existente em cada um de nós, parecia-nos ser um desafio a ultrapassar no desenvolvimento dos programas. Apesar de, na APPACDM-V.N.Gaia, o exercício da participação, envolvimento e empowerment dos clientes ser uma prática já com algum tempo, ainda nos parecia que os clientes teriam alguma dificuldade em reagir de forma espontânea, sem necessidade de se colar a algum modelo, num ambiente de sessão estruturada. De facto, no início, isso aconteceu. Orientar os clientes para se movimentarem pelo espaço da sala, de forma livre, ao som de uma música, levava, no início das sessões a que toda essa liberdade e ausência de estrutura acabassem por, a título de exemplo, levar a que observássemos um cliente, que detinha competências em termos de autonomia e iniciativa, a liderar um percurso pela sala, deambulatório, e os outros o seguissem, sem conseguirem criar um percurso alternativo. Era então necessário que o moderador das sessões desbloqueasse essas reações automáticas e inexpressivas, potenciando a experimentação de alternativas mais aventureiras e a capacidade de arriscar por parte dos participantes mais passivos. Com o decorrer das sessões, obteve-se ganhos em termos da capacidade de iniciativa e espontaneidade, sem ser necessária tanta intervenção inicial.

Os resultados têm sido positivos e diversificados, nomeadamente o desenvolvimento de competências de respiração e de relaxamento; da capacidade de abstração; da capacidade de comunicação não-verbal; de estratégias para a resolução de problemas; da capacidade de ouvir e empatizar; do esquema corporal; da coesão grupal e da espontaneidade. Esta atividade permite ainda a maior participação dos clientes com limitações de linguagem; menor frustração na comunicação; benefícios na relação entre os clientes; promover o auto e hetero-conhecimento; o reforço da auto-estima e da confiança.

Pretendemos investir nesta atividade em todas as suas potencialidades. Fizemos já uma primeira experiência de aplicação a colaboradores, bem aceite e avaliada. A aplicação a significativos dos clientes será certamente uma intervenção muito enriquecedora. Para tal, esperamos continuar a contar com moderadores com as mesmas competências dos nossos pioneiros.

Maio 19, 2015
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