Governação integrada (GovInt) é um conceito conhecido por muitos de nós, mas infelizmente, poucas vezes posto em prática. De facto, quando falamos de Governação Integrada, estamos a falar de uma estratégia política integrada, que agregando diferentes atores ao nível da administração central e local e de instituições privadas, procura implementar medidas de política coordenadas para a resolução de problemas sociais complexos.
Os problemas sociais complexos não são fáceis de definir e não têm causas claras e definidas. São multicausais e requerem respostas diferenciadas e de diferentes dimensões, exigindo uma intervenção integrada e concertada entre as diferentes entidades que atuam sobre o mesmo problema, como por exemplo, a pobreza extrema, a pobreza infantil, o desemprego de longa duração e os territórios vulneráveis.
Em Portugal, existem vários exemplos de Governação Integrada já implementados e que pretendem responder a alguns dos problemas sociais acima referidos, como é o caso, do Programa Rede Social, o Projecto Escolhas, as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, a Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas Sem-abrigo, entre outros, que pretendem cumprir com a ideia “juntos fazemos melhor”.
A Governação Integrada procura eliminar as redundâncias e responder às lacunas das respostas aos problemas sociais existentes, bem como, às incoerências das políticas públicas, melhorando os níveis de eficácia e eficiência, rentabilizando os recursos existentes. A GovInt implica assim uma nova cultura organizacional, onde se acabam as esferas privadas de atuação e se procuram soluções integradas e partilhadas que melhor respondam aos problemas sociais complexos.
Neste sentido, para a implementação deste modelo de governação, devem ser criadas unidades de operacionalização de políticas ao nível central para investigar problemas e propor soluções para temas críticos (problemas sociais complexos). Estas unidades devem pressupor a nomeação de ministros com portfólios e funções transversais, orçamentos integrados e a revisão regular das políticas transversais.
Paralelamente, a existência de estruturas locais de governação integrada é indispensável para a viabilidade deste modelo. As estruturas locais de atendimento de primeira linha devem, também, elas, promover e aplicar esta metodologia. A formação dos atores envolvidos é de crucial importância na uniformização de conceitos e metodologias de intervenção a adotar.
A GovInt pretende abordar a resolução dos problemas sociais complexos existentes através do foco nos resultados, substituindo o modelo organizacional que privilegia o trabalho autónomo e independente com uma atuação unidireccional e cujo impacto é diminuto, por um outro, que pretende olhar para os problemas como um todo, introduzindo um modo distinto de atuar na sociedade.
No entanto, os resultados de uma governação integrada não são imediatos, nem correspondem aos ciclos políticos das governações, o que constitui um fator crítico para a sua adoção por parte dos agentes políticos. Mas, uma vez que as alternativas de resposta aos problemas sociais complexos não têm sido eficazes nem eficientes na sua resolução, a governação integrada surge como a forma de rentabilizar os recursos existentes públicos e privados, providenciando aos cidadãos e cidadãs respostas adequadas aos seus problemas.
A Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas Sem-abrigo é um dos exemplos de governação integrada português para um problema social complexo que partiu de duas condições, da tomada de consciência da insuficiência de conhecimento atualizado sobre o mesmo, e da deficiente resposta ao problema, resultante, em parte, da falta de articulação entre as respostas existentes (1). Para o desenho da estratégia foi criado um grupo de trabalho onde estiveram representados diferentes setores e áreas de atividade pública e privada considerados chave para a intervenção neste fenómeno. Para além de princípios orientadores, pressupõe compromissos das diferentes entidades. O processo de construção da estratégia foi um bom exemplo de governação integrada na medida em que foram mobilizados para a participação diferentes atores para a execução de tarefas e assunção responsabilidades fundamentais em todo o processo com conhecimentos e experiência relevante.
Para o sucesso da GovInt são essenciais 4 eixos: o eixo político – coordenação política forte e empenhada, o eixo das “pessoas” – encontrar as pessoas certas, o eixo da comunicação – comunicar os ganhos de eficiência e eficácia e o eixo da avaliação – avaliar em todas as etapas e dimensões (2). No caso específico da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas Sem-abrigo, se por um lado a fase de mobilização e adesão institucional foi positiva, tendo resultado na criação de um instrumento de uniformização da intervenção, o obstáculo foi encontrado no eixo político, não tendo sido considerado politicamente prioritário e por isso não foram providenciados os recursos necessários para a sua implementação.
No quadro síntese apresentam-se os requisitos necessários para a concretização de uma governação integrada com sucesso. Se não conseguirmos preenche-los, é melhor antes de começar um projeto, começar por negociar as condições necessárias para o seu alcance
Quadro-síntese dos requisitos para GovInt |
Mobilização do foco para os resultados (quer nas iniciativas resultantes (output), quer nos impactos gerados (outcomes)), mais do que para a “correção de procedimentos” |
Empenho evidente da liderança política e departamental nessa opção |
Cultura organizacional colaborativa |
A existência de pessoas e processos de construção de pontes entre organizações (boundary-spanners) |
Sistemas integrados de planeamento |
Capacidade de identificação de prioridades |
Competências e capacidades para construir alianças estratégicas, para gerar confiança e para negociar consensos |
Gestão de performance e avaliação adequada ao modelo integrado |
Alocação de recursos e sistema de orçamento partilhados |
Sistemas de TIC interoperáveis |
Preparação para inovar, gerir riscos e fracassos |
Aprendizagem a partir da experiência e das evidências |
Capacidade de desenhar um equilíbrio entre objetivos de curto e de longo prazo |
Fonte: Problemas Complexos e governação integrada, Fórum para a Governação Integrada
(1) GIMAE (2010), Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas Sem-abrigo
(2) MARQUES, R (coord) et al (2014), Problemas Complexos e governação integrada, Fórum para a Governação Integrada