O conceito de investimento social foi introduzido pela Comissão Europeia (CE) na sua Comunicação (1) “Investimento social a favor do crescimento e da coesão, designadamente através do Fundo Social Europeu, no período 2014-2020 /* COM/2013/083 final). O que é que a Comissão Europeia quer dizer quando refere “investimento social”?
O que ressalta ao leitor é o estilo repetitivo, mesmo obsessivo, da Comunicação. São repetidamente utilizadas sete palavras-chave, que pouco têm a ver com o domínio social, e tradicionalmente estão relacionadas com a área financeira e da gestão, nomeadamente: eficiência, eficácia, sustentabilidade, finança, meta, condicionalidade, monitorização. Embora o texto sugira uma tensão entre esta abordagem obsessiva e uma outra orientada para o desenvolvimento do capital humano, através da educação, cuidados à infância, formação, destaca-se a principal orientação que as autoridades europeias sugerem para políticas sociais e reformas dos sistemas de proteção social: a redução dos orçamentos públicos alocados ao sector social e à abertura do financiamento deste sector ao capital privado. As autoridades europeias pretendem monitorizar através de metodologias políticas derivadas do Método Aberto de Coordenação (MAC), ou seja, uma combinação de governança por desempenho quantitativo e a disseminação das boas práticas entre os países. Podem identificar-se cinco orientações:
- As políticas e regimes sociais públicos devem tornar-se financeiramente sustentáveis num universo em que a despesa pública deve ser cada vez menor.
- A sua implementação precisa de ser adequada, o que significa sistemas de proteção social de baixo custo, mas eficientes e eficazes.
- Para serem eficazes, devem ser direcionados às pessoas mais necessitadas (condicionalidade). As pessoas visadas são pessoas em situação de pobreza e exclusão, graças a uma das seis metas da Estratégia Europa 2020: “tirar pelo menos 20 milhões de pessoas da pobreza e da exclusão social”. Este objetivo é combinado com a continuação e o desenvolvimento de políticas de ativação que devem contribuir para outro objetivo, “aumentar para 75% (2) a taxa de emprego na faixa etária dos 20-64 anos”.
- Para ser eficiente, os regimes públicos devem ser concebidos e implementados para maximizar o seu desempenho quantitativo (alcançar metas quantitativas predefinidas) no mínimo de tempo possível para as pessoas envolvidas. O processo deve ser desenvolvido através da definição de diretrizes e indicadores de monitorização.
- Por último, mas não menos importante, num futuro que a Comissão Europeia prevê que haja uma ausência prolongada de orçamento e investimento público, os Estados devem abrir o financiamento do setor social ao sector privado e, para isso, encontrar os incentivos para atrair capitais privados para o investimento social.
Esses pontos projetam uma nova concepção do bem-estar social, com base no entendimento muito peculiar que a Comissão possui do conceito de “investimento social”. Para o descobrir, é preciso entrar num outro setor da Comissão Europeia, não na Direção Geral de Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão, mas na Direção Geral de Mercado Interno, Indústria, Empreendedorismo e PMEs. No que se refere aos capitais privados, as suas atividades pertencem aos regulamentos e controle do mercado interno e devem ser cumpridos. Mesmo para atividades sociais e investimentos sociais, conforme definido na Comunicação.(3)
O conceito de “investimento social” nunca é verdadeiramente definido em termos de abordagem, conteúdos ou diferenças com a abordagem atual das políticas sociais. Este é objeto de retórica e uso metafórico, para que as pessoas, os políticos e as partes interessadas no domínio social se acostumem a esse novo conceito sem entender verdadeiramente o seu propósito e conteúdo. A ligação entre o social e o investimento, chave na concepção da CE, não é neutra. Na prática, o que é que o capital privado, enquanto principal objectivo da CE, faz? Investir em qualquer parte onde haja oportunidades para obter lucro.
Existem duas diferenças básicas deste conceito de investimento social e as políticas públicas? O capital privado procura um padrão de lucro. O seu investimento é, por natureza, temporário e móvel.
Para ser implementado, qualquer investimento deve obedecer prioritariamente a um padrão de lucro, conforme o que se aplica no mercado. Quaisquer que sejam os objetivos e as finalidades, a procura do lucro na área social, conduz inevitavelmente à formatação da conceção e implementação dos serviços, à seleção dos seus beneficiários/utentes, a regras de organização e gestão, a fim de maximizar a taxa de retorno. Qualquer investimento privado é, por natureza, temporário. Assim que o capital investido e o lucro são recuperados, o investidor, como um fundo de investimento, procura novas oportunidades no mesmo ou noutro campo. No domínio social, na diferença de regimes e políticas públicas, o investidor não tem vocação para perpetuar a longo prazo o conteúdo, os procedimentos e os clientes do “objeto” do seu investimento (seja prestação de serviços ou infra-estruturas sociais). Passando de um investimento para outro, cumpre facilmente os novos critérios defendidos pela Comissão para a área social: “uma adaptação constante a novos desafios; implementando novos produtos, serviços e modelos, testando-os e favorecendo os mais eficazes e eficientes; a inovação social a influenciar a formulação de politicas”.(4)
Até agora, a definição convencional de empresa social aplicava-se a um operador do sector social cujo objetivo era ter impacto social e não ter lucro para os seus proprietários ou stakeholders. Mas a Comissão Europeia alterou subtilmente e alargou a definição de empreendedor social, a fim de poder abranger novos atores, nomeadamente do sector privado, em particular fundos de investimento privados. O seu ponto de vista é de que “se deve usar o formidável efeito de alavanca que a indústria europeia de gestão de ativos oferece (7000 bilhões de euros em 2009) para favorecer o desenvolvimento de empresas que, além de visarem legitimamente o lucro, também procuram atingir objetivos de interesse geral, de desenvolvimento social, ético e ambiental “(5). Isso criará, igualmente, incentivos para que o Terceiro Sector possa adotar uma abordagem de mercado no investimento social.
O objetivo da CE é favorecer o desenvolvimento de um mercado de investimento social, dotado de: flexibilidade, liquidez, benchmarking adaptado ao social, etc.. O acesso a esse mercado deve limitar-se aos investidores que tenham como principal “objetivo alcançar impactos sociais quantificáveis e positivos”.(6) Resta definir e medir o que seria “um impacto social positivo”. É ainda mais importante, uma vez que o desempenho quantitativo de impacto servirá para analisar o retorno financeiro do investimento. Portanto, fixar o indicador e avaliar o desempenho tornam-se questões políticas discretamente negociadas entre o Estado e o investidor.
Um exemplo chave são os Títulos de Impacto Social – Social Impact Bonds (SIB) como “novas vias a serem exploradas”, cujo propósito para o investidor privado é, em algumas condições, obter lucro pago pelo setor público. Como a Comissão afirma: “Normalmente, ao adquirir uma obrigação de impacto social, um investidor privado financia um prestador de serviços sociais para a aplicação de um programa social em troca de uma promessa («obrigação») do setor público de reembolsar o investimento inicial e pagar uma taxa de rentabilidade se o programa gerar os resultados sociais predefinidos”. Parece-me que não se podemos ser demasiado otimistas em relação às virtudes desta lógica caritativa; na medida em que algumas iniciativas já aceitaram uma taxa de retorno para os fundos investidos.
A evidência quantitativa é, portanto, uma poderosa ferramenta política. Na prática, nada é evidente quando transportado para o domínio social, especialmente se se tem em conta que, independentemente do que sejam, as medidas quantitativas são sempre baseadas em convenções estatísticas que, por essência, são social e historicamente construídas. Em três dimensões: primeiro, a seleção de indicadores não é neutra, mas um veículo de escolha normativo; em segundo lugar, muito depende da maneira como os indicadores são definidos e avaliados; em terceiro lugar, há um jogo sutilmente racional entre as diretrizes políticas para os Estados Membros e os indicadores de monitorização que supostamente devem medir o progresso que estes têm ou não na sua implementação.
O projeto Re-INVEST está a analisar outra forma de implementar o investimento social. Procura uma combinação entre uma abordagem baseada nos direitos humanos e uma abordagem baseada nas capacidades – Capability Approach (CA). A UE não ignora os direitos humanos, já que criou uma Carta dos Direitos Fundamentais, contemplando sobretudo os direitos sociais. O problema é que a definição europeia desses direitos está muito abaixo das recomendações da Declaração Universal das Nações Unidas de 1948. Existe uma estreita ligação entre uma abordagem dos direitos humanos e uma abordagem das capacidades, pois a principal preocupação de uma abordagem das CA é converter os direitos humanos em resultados reais para as pessoas. Não de qualquer forma, mas, na medida do possível, para melhorar a capacidade de cada cidadão/ã viver a vida que tem razões para valorizar.(7)
DIAGRAMA 1. COMO ELABORAR POLÍTICAS? DUAS CONCEPÇÕES DA RELAÇÃO ENTRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS E AVALIAÇÃO
MELHORAR O PODER DE CONVERSÃO DE MEIOS NUM RESULTADO COM VALOR
O diagrama 1.(8) opõe duas concepções de políticas públicas (e investimento social), no que diz respeito à relação que estabelecem entre a implementação e a avaliação, e a sua dinâmica e ajustamento às situações: em baixo, a abordagem instrumental em que políticas públicas (ou regimes ) são orientados pela maximização dos objetivos de desempenho (a concepção europeia do investimento social); em cima, a abordagem das capacidades – capability approach – em que o investimento social é orientado pelo respeito dos direitos humanos e resultados com valor para as pessoas envolvidas.
(1) Doravante designada como COM/2013
(2) Id., p. 1
(3) Alix Nicole and Alain Baudet, 2013 “La mesure de l’impact social: facteur de transformation du secteur social en Europe”, 4th CIRIEC International Conference, Revue internationale de l’économie sociale, http:/recma.org/node/3786
(4) COM/2013, p.12 (5) Citado em Nicole Alix e Alain Baudet, 2013
(6) Ver Comissão Europeia (CE), 2013, Relativo aos Fundos Europeus de empreendedorismo Social, Jornal Oficial da União Europeia, 25 Abril 2013, p. 27
(7) Amartya Sen, 1999, Development and Freedom, Oxford University Press
(8) Pode ser lido como forma de construir a relação entre políticas e avaliação, ou como uma metodologia para analisar políticas existentes com possíveis compromissos ou não. Optámos pela primeira leitura.