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Marketing social

Marketing social

PhD, Universidade Católica Portuguesa (Porto)

Apercebi-me no outro dia que persiste alguma confusão em relação a alguns conceitos atribuídos ao marketing social, mas que, na verdade, não o são. De facto, convém primeiro perceber o que é que o marketing social é, para percebermos de que forma é que se distingue do marketing das organizações sem fins lucrativos e do marketing de causas.

O marketing social apareceu nos anos 70 como forma de resposta de alguns consumidores aos profissionais de marketing no sentido de os pressionar a agirem com maior consciência em relação aos consumidores. De facto, assistia-se na altura ao nascimento dos movimentos de reacção ao consumerism1 com forte implantação nalguns países como os EUA, Europa do Norte e Austrália. Foi no rescaldo desta discussão que Kotler e Zaltman (1971) propuseram a ideia de um marketing como processo de criação, implementação e controlo de programas para influenciar a aceitação das ideias sociais ou a sua prática, por um ou mais grupos, envolvendo considerações relativas ao planeamento do produto, preço, comunicação e distribuição. Pretendia-se assim que o marketing passasse a ser capaz de elevar o nível de consciência do target a que se dirigia em relação a determinado assunto; que fosse capaz de convencer as pessoas a fazerem algo dentro de determinado período de tempo; a convencê-las a adoptar determinado tipo de comportamento, como forma de prolongamento da acção já tomada; e ainda a modificar valores e representações sociais.

O marketing social procura não só desenvolver novos comportamentos (como por exemplo, o uso de capacete); como rejeitar comportamentos potenciais (como por exemplo não beber e conduzir); como ainda modificar um comportamento actual (por exemplo, beber cerca de 8 copos de água por dia); como ainda abandonar comportamentos antigos (deixar de fumar). Em todos os casos, como vemos, o foco da atenção é o “cliente”, sendo que aqui a noção de troca é mais abrangente. De facto, ainda que haja também duas partes envolvidas, que entregam “bens”, numa transacção levada a cabo de forma voluntária, o envolvimento e interacção das partes, assim como a tangibilidade do produto são bastante diferentes dos que ocorrem numa mera transacção de marketing de bens e serviços.

As dificuldades para quem tem de trabalhar ao nível do marketing social não são de subestimar. Na verdade, o resultado destas acções é muito difícil de medir. (Afinal quantos jovens mudaram de ideias em relação ao suicídio devido a uma campanha? Quantas pessoas passaram a doar sangue ou a fazê-lo mais vezes?) É preciso ir além do que a mero objectivo informativo, ou até de atitude. É preciso levar à acção, o que nem sempre é fácil… Para isso, é preciso saber como é que este cliente pensa, como se comporta, conhecer os seus hábitos, as suas atitudes. Só depois disso podemos passar à acção, definir a “proposta de valor” e verificar qual a melhor forma de chegar até ele.

Mas há mais especificidades que dificultam o trabalho de quem lida com esta forma de marketing. De facto, enquanto que no marketing comercial podemos usar indicadores como volume de vendas, quotas de mercado, taxa de lucro, margens, etc. como forma de aferir resultados, no marketing social os objectivos dificilmente se conseguem medir. Para além disso, os resultados em termos de marketing social estão sujeitos a variados tipos de influências, dificilmente controláveis e para além disso, as possibilidades de diferenciação das “ofertas de valor” são muito mais limitadas. Acresce ainda às dificuldades, o factor orçamental, uma vez que muitas instituições que praticam o marketing social são financiadas por subsídios e doações, o que dificulta a obtenção de financiamento e limita a actuação dos intervenientes que se sentem, assim, mais constrangidos em termos de assumpção de riscos. Do mesmo modo, é complicada a argumentação de que os objectivos foram cumpridos e foi conseguido o “retorno” necessário para cobrir o investimento inicial. Por último, resta acrescentar que os agentes envolvidos nas acções de marketing social são normalmente em número elevado (organizações não governamentais, Estado, media, empresas, público em geral, investigadores, etc.) e de natureza muito diversa. Assim, torna-se difícil comunicar com todos ou pelo menos fazê-lo de forma igualmente eficiente.

Hoje em dia o conceito de marketing social tem proliferado em diversas frentes e ocasiões. Por norma apela à utilização das ferramentas proporcionadas pelo marketing dito comercial tendo em vista a obtenção de comportamentos considerados benéficos para a sociedade como um todo. Mas muitas vezes, verificamos que esta definição nem sempre é entendida na sua amplitude. O que acontece é que o marketing social é muitas vezes confundido com marketing de organizações sem fins lucrativos, e até com o chamado “cause-related marketing”. Vejamos, uma igreja ou um partido político também são organizações sem fins lucrativos, sem que todavia se possa dizer que o marketing quer levam a cabo seja alguma forma de marketing social. Por outro lado, há em muitas das organizações sem fins lucrativos um fim social o que leva à promoção de comportamentos socialmente aceitáveis, o que faz com que o marketing praticado por estas organizações se possa também considerar social. Portanto, no que diz respeito à dúvida que possa existir entre marketing social e marketing das ONGs, o que se deve analisar é o fim último – a criação, planeamento, implementação e controlo de programas de produto, preço, comunicação e distribuição têm como fim último a aceitação e prática de ideias socialmente boas? Se sim, então caímos no espectro do marketing social. Se não, então não é marketing social.

Já no que diz respeito à eventual confusão que possa existir entre o marketing social e o marketing de causas ou o cause-related marketing, o que se pode dizer é que este último tipo de marketing visa essencialmente através das políticas de marketing a aproximação entre o projecto social – a causa escolhida – e as vendas. Ou seja, o que as empresas fazem aqui é permitir que o seu consumidor se transforme num doador, ao comprar os seus produtos. Logo, o marketing e as vendas aparecem assim associados a uma causa social, com benefício mútuo para todos os envolvidos: empresa, clientes e organizações associadas à causa em questão. Os objectivos do “cause-related marketing” são a criação de notoriedade corporativa, de marcas e de produtos; o aumento das vendas, dada a associação à causa; a promoção dos produtos da empresa; a fidelização dos seus clientes; o aumento do valor percebido pelo cliente destes produtos que a empresa comercializa.

Assim, podemos dizer que o marketing de causas ou cause-related marketing se aproxima muito mais do marketing comercial puro e está algures entre este e o marketing social. De qualquer forma, parece evidente que são conceitos distintos e que devem ser discriminados na sua utilização para que não seja subvertida a lógica que presidiu ao aparecimento de cada um.

1 O consumerism ou consumismo é uma tendência internacional do foro social e económico que se caracteriza pela criação e estímulos sistemáticos de desejo de compra de produtos e serviços em quantidades crescentes.

Maio 21, 2012
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