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Mudanças climáticas

Mudanças climáticas

Responsável pelo Escritório da Food & Agriculture Organization em Portugal

Consequências e alternativas para a agricultura

As mudanças climáticas estão na ordem do dia. Provas científicas são produzidas e divulgadas sistematicamente. Multiplicam-se seminários e conferência sobre o tema. Os climatologistas alertam sobre o atípico aumento da temperatura mundial. As Nações Unidas, através da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas (CMMC) e o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em Inglês) desdobram-se em rondas, relatórios e declarações. Múltiplos sectores da sociedade civil questionam-se sobre os danos que o desenvolvimento económico e industrial está causando ao ambiente. Cresce a consciência coletiva sobre a importância da sustentabilidade ambiental. Não há setores sociais, económicos, religiosos, culturais e intelectuais que se declarem ignorantes sobre o assunto. É raro encontrar um discurso político que não lhe faça referência.
Até aqui, tudo bem! O problema é quando começamos a conferir as ações. Vê-se pouco. Quase nada. Apenas ideias, intenções, sugestões, programas, iniciativas esporádicas e avanços tímidos. Nada proporcional ao gigantesco tamanho do desafio.
Assim, numa autêntica corrida contra o tempo, problemas locais e sectoriais se agigantam e se tornam globais, exigindo, cada vez mais, um compromisso e uma solução globais. Quanto mais cedo eles forem alcançados, melhor para o mundo e para a humanidade. Uma ação global não teria necessariamente que ser instantânea e gigantesca. Pode ser gradual e multifacetada, desde que seja decisiva e significativa.
Aliando-se ao coro de cientistas e da sociedade civil, cresce um movimento internacional, clamando pela mudança de paradigmas do desenvolvimento, e exigindo sustentabilidade não apenas económica e social, mas também, e fundamentalmente, ambiental.

 

O problema, sua amplitude e complexidade

As mudanças climáticas são alterações que ocorrem no clima geral do planeta Terra. São causadas pela presença excessiva dos chamados gases estufa que por sua vez provocam a elevação da temperatura ambiental média. A presença excessiva desses gases pode ter origem natural ou provocada por atividades humanas, como vem ocorrendo de forma acelerada desde a Revolução Industrial, no século XVIII.
Os gases de efeito estufa mais relevantes são o dióxido de carbono (CO2), o metano e o óxido nitroso. O dióxido de carbono tem, contudo, merecido uma atenção especial porque é emitido em maiores quantidades: quase 77% das emissões de gases de efeito estufa.
A subida da temperatura, por sua vez, desencadeia um conjunto de processos, como por exemplo o derretimento de glaciares polares e o consequente aumento no nível de água dos oceanos. Também afeta a nebulosidade e a humidade relativa do ar, os índices pluviométricos e a desertificação.
Assim, as mudanças climáticas, longe de serem simples registos e estatísticas, têm um amplo espectro económico, social, ambiental, e, acima de tudo, uma forte dimensão humana. Afeta pessoas, comunidades, e países (ricos ou pobres), em função do seu grau de vulnerabilidade, podendo desacelerar o crescimento econômico, complicar os esforços para a erradicação da fome e da pobreza, e gerar pânico e desespero.
Esta realidade coloca hoje o mundo numa verdadeira encruzilhada. Num passado muito recente as mudanças climáticas eram abordadas no campo das possibilidades e hipóteses. Hoje está-se perante um fenómeno concreto, cientificamente observado e comprovado que ameaça a vida no planeta, e amplifica os desafios sociais, económicos e ambientais.
A velocidade com que as mudanças acontecem, colhe o mundo de surpresa. Impreparado para lidar com a amplitude da situação, sua dinâmica e complexidade. O que, de certa forma, alerta todas as forças vivas, e põe em evidência riscos iminentes: Para além do que já foi referido sobre a subida do nível do mar e as inundações, o oposto (a seca) pode ocorrer em lugares improváveis. Uma seca prolongada numa região pode levar a incêndios gigantescos, que por sua vez destruiria florestas e fauna e emitiria mais dióxido de carbono para a atmosfera.

 

Impacto na agricultura

O sector agroalimentar é certamente um dos sectores mais sensíveis e ameaçados pelas mudanças climáticas. Ele depende muito da disponibilidade de água para irrigação natural ou artificial, e de uma gama de processos de regulação climática e preservação da fertilidade de solos. Assim, a curto prazo, as mudanças climáticas provocam variações climáticas que podem levar a choques nos sistemas alimentares. A longo prazo, a subida sistemática da temperatura ambiental média, acelera o derretimento dos glaciares, a subida do nível das águas do mar, a salinização de solos, as inundações das áreas habitacionais e de cultivo, e acumula prejuízos na produção de alimentos, disponibilidade de água, e ecossistemas continentais e marinhos.
As vagas de calor e a subida da temperatura média resultarão em mudanças nos microclimas e no regime de chuvas, alterações na disponibilidade de água, aumento na frequência e intensidade de eventos extremos, alteração dos ciclo de polinização, salinização de solos e perturbações nos ecossistemas. Haverá, em alguns casos, redução da produtividade e noutras variações na “cultivabilidade” (perdoem o termo) de determinadas culturas. Em termos práticos, onde se cultivava batata deverá cultivar-se milho ou feijão, por exemplo, e vice-versa. Regiões com bom regime de chuvas podem tornar-se desérticas. Grandes plantações de fruteiras, por exemplo, podem perder competitividade ou mesmo tornarem-se improdutivas e morrerem.
Embora alguns estudos tenham demonstrado que certas regiões do mundo beneficiariam de melhorias do seu microclima, e que a subida dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera pode melhorar as condições de crescimento de certas espécies, uma análise comparativa de perdas e ganhos, resulta num balanço negativo, não só por causa das perdas diretas, mas também os impactos indiretos como a competição das ervas daninhas, vulnerabilidade a pragas e doenças, infestação por pragas e insetos, ou mesmo os choques sociais e económicos que podem causar.
A subida da temperatura das águas do mar também pode causar o colapso de valiosos ecossistemas marinhos, reduzir a disponibilidade de pescado, ou a sua localização. A produção pecuária também pode sofrer fortes abalos. O fraco desenvolvimento dos pastos, a baixa disponibilidade de água, e o stress térmico podem impor restrições à atividade pecuária.
Em resumo, haverá mudanças ambientais com consequências drásticas económicas e sociais para a agricultura, pecuária e pescas, particularmente entre as comunidades de pequenos agricultores. O que ameaçará a disponibilidade de alimentos, causará a subida dos seus preços, e comprometerá o ideal de erradicação da fome.

 

Os caminhos e alternativas

É evidente que os atuais padrões de consumo e produção estão a abalar o frágil equilíbrio ecológico, a destruir a base de recursos naturais que sustenta a vida no planeta, e a provocar mudanças climáticas indesejáveis.
A vulnerabilidade da agricultura às mudanças climáticas depende grandemente da capacidade de moderar os seus efeitos, ou seja, a capacidade de adaptação. Por sua vez, a capacidade de adaptação depende das oportunidades, e dos meios para fazer os necessários ajustamentos aos sistemas de produção e condições do mercado.
O sucesso de qualquer estratégia de adaptação, também depende dos esforços de mitigação. A mitigação incide sobre as causas primárias do aquecimento global, desacelerando a sua ocorrência. Consiste em medidas de redução das emissões das indústrias, dos transportes e do agronegócio, e da redução de outros danos como o desflorestamento, a destruição da biodiversidade e a destruição da camada de ozono.
Mitigação e adaptação são exercícios mutuamente complementares. Muitas esperanças são hoje depositadas nos esforços das Nações Unidas de estabelecer consensos na aplicação de medidas acordadas na conferência do Rio +20, e das recomendações do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas (CMMC).
Curiosamente, um dos maiores entraves para uma solução célere e global é a corrida pelo ganho e pelo conforto imediatos. Perante o cenário da autodestruição, só isso explica por exemplo porque o proprietário de uma fábrica poluidora resista a qualquer ideia de redesenhar a sua indústria para reduzir a emissão de gases estufa. Porque um madeireiro que vive do derrube indiscriminado de árvores esteja disposto a dar a própria vida para manter o status quo. Que um cidadão pacato e comum que conduz o seu carrão de oito cilindradas não queira abdicar desse luxo para conduzir um carro mais ligeiro e menos poluente.
Contrariar esse espírito imediatista e fatalista, nos indivíduos, empresas, comunidades e países é fundamental. Ele bloqueia a consciência coletiva, e ergue um manto espesso entre o presente e o futuro, pondo em risco todos os indivíduos, todas as famílias, todas as comunidades, todos os sectores, todos os países, todos os governos, todas as organizações.
A solução ideal seria um pacto global para a mitigação das mudanças climáticas. Isso implicaria essencialmente: redução drástica da emissão de gases estufa, particularmente, o dióxido de carbono, a redução do desflorestamento para níveis sustentáveis, o controlo da poluição do ar e da água, o controlo da pesca, a preservação da camada de ozono, a gestão racional e integrada de todas as bacias hidrográficas, o controlo da degradação dos solos, a paralisação das ações destrutivas da fauna, o controlo dos depósitos de lixo, etc.
Enquanto isso não acontece, não podemos perder de vista os esforços para facilitar a adaptação dos agricultores, particularmente dos mais vulneráveis. Esses esforços devem ser concentrados nas pequenas unidades familiares vulneráveis em países pobres, grupos marginalizados, situados em zonas vulneráveis como áreas costeiras ou pequenas ilhas, ou que dependem de ecossistemas frágeis.
Muitos estudos realizados junto dessas comunidades vulneráveis demonstram que elas podem se adaptar, mas carecem de apoios na avaliação dos riscos, adoção de novas tecnologias, identificação de novas culturas alternativas.
Está demonstrado que o fortalecimento dos regimes institucionais, promovendo o equilíbrio de género, acesso a terras, tecnologias, crédito e seguro agrícola, bem como a introdução de tecnologias de organização produtiva e social, como cooperativas e associações, podem fazer a diferença.

Julho 25, 2014
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