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Mudar a definição de futuro

Mudar a definição de futuro

Professor Associado com Agregação Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas/UTL

Começo por uma estória etnográfica. Passou-se já há cerca de um ano, quando os funcionários públicos ficaram a saber que iam perder os subsídios. Num autocarro, em Lisboa, duas estudantes universitárias falavam e, a certa altura, uma diz que ela e o marido ganham o ordenado mínimo; que na empresa já lhe disseram que não vai haver subsidio de Natal; que não tem máquina de lavar roupa nem televisão porque não tem dinheiro. Mais à frente na conversa, a mesma diz:

“Estás a ver, trabalho, tenho a família e uma criança pequena para cuidar, estudo e agora ainda vou ter que fazer voluntariado!” . A estudante referia-se a uma obrigatoriedade educativca do seu curso superior. Esta frase, paradoxal, deveria ser uma frase impossível…mas não é! E revela os paradoxos do voluntariado.

As redes cívicas são, neste momento, ao mesmo tempo um movimento controlado, um movimento de resistência e um movimento revolucionário.

Um Movimento Controlado porque tantas vezes as ONG (organizações não governamentais) são OG mascaradas, uma espécie de Estado paralelo, mas também controlado porque o voluntariado se tornou um ‘valor’ no mundo do mercado, uma espécie de extensão da educação formal e sem qualquer remuneração, as mais das vezes. Mas o voluntariado é também um Movimento de Resistência que vai marcando posições diferenciadoras num quadro capitalista e na transição de um capitalismo nacional para um capitalismo global. Essa resistência não é uma teimosia da contradição mas antes um processo de aprendizagem em ação. E, por isso, o voluntariado é também um Movimento Revolucionário, no sentido em que é como um reflexo que indicia uma luz. O voluntariado indicia e antecipa a visão de um planeta que terá que ser gerido com crescimento económico zero ou mesmo negativo (a não ser que colonizemos outros planetas, o que não é de todo expectável) e em que os indicadores económicos deixam de ter sentido, pelo menos tal qual os conhecemos. O voluntariado antecipa e socializa para a mudança de modelo social e económico. É essa a luz que indicia se não nos quisermos perder na sombra: a luz de uma revolução cívica no horizonte e a mudança de modelos.

Revolucionário, assim, porque acredito que esta geração vai ter a obrigação de passar a viver de outras maneiras, criando novas formas de pensar e novas formas de educar (na  socialização da solidariedade mais do que na verdade) e novas formas de relacionar-se (inter e multiculturais), novos processos políticos (porventura também plurais e diferenciadores) e novos indicadores para gerar, medir e gerir o desenvolvimento.

É falando das sombras e de reflexos de luz que podemos, e devemos, ir pensando criticamente um caminho de luz. É a própria conversa sobre as sombras e os reflexos que ilumina. É que se perguntarmos:‘Será que o futuro tem futuro?’, a resposta que cada vez é mais clara é que poderá haver futuro mas só se a própria noção de futuro definitivamente mudar!

Outubro 4, 2012
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