O desemprego em Portugal atingiu recentemente números nunca antes vistos(1) fruto da crise financeira global, tornando-se um fenómeno estrutural especialmente o desemprego de longa duração e também o desemprego jovem. A par do desemprego é importante referir a qualidade do emprego existente e, deste ponto de vista, assistimos a um crescimento significativo do emprego precário com aumento de horas de trabalho e salários baixos, em que o trabalho obedece à uma lógica de projeto e não a um trabalho contínuo, produzindo efeitos subjectivos na identidade individual, enquanto desenvolvimento da carreira profissional que deixou de existir para uma parte significativa da população. A nível europeu “ o emprego a tempo inteiro diminuiu em cerca de 8,1 milhões postos de trabalho entre os primeiros trimestres de 2008 e 2014. Em contrapartida, houve um aumento regular dos empregos a tempo parcial nos últimos anos, com mais 4 milhões de postos desde o primeiro trimestre de 2008”(2). Deste modo, assiste-se a um aumento das empresas de trabalho temporário e de empresas intermediárias na contratação de trabalho conduzindo as empresas a recurso à subcontratação de trabalhadores temporários. Dito de outro modo, a flexibilização do mercado laboral, no sentido de permitir mais facilmente o despedimento, tem sido implementada na lei do trabalho. A este prepósito a contratualização colectiva de trabalho do mundo industrial está a dar lugar à contratualização individual e à perda de pressão dos grupos profissionais pelo direito a um salário digno e à segurança no emprego.
Na verdade, as alterações no mundo do trabalho devem-se a mudanças no modelo económico capitalista. Desde a crise dos anos 70 até ao momento presente, estas mudanças são de várias ordem entre as quais:
a) A queda da taxa de lucro entre outros factores pelo aumento do preço da força de trabalho;
b) O esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção, dada a incapacidade de responder à retracção do consumo em virtude ao desemprego estrutural que se iniciava;
c) A esfera financeira começou a ganhar autonomia relativamente ao sistema produtivo, colocando-se o capital financeiro como um campo prioritário para a fase de especulação na nova fase do processo de internacionalização;
d) A maior concentração de capitais graças às fusões entre as empresas monopolistas e oligopolistas;
e) A crise do “Estado do bem-estar social” e dos seus mecanismos de funcionamento, acarretando a crise fiscal do Estado capitalista e a necessidade de retracção dos gastos públicos e a sua transferência para o capital privado;
f) O incremento acentuado das privatizações, tendência generalizada às desregulamentações e à flexibilização do processo produtivo, dos mercados e da força de trabalho, entre outros elementos contingentes que exprimiam esse novo quadro crítico.(3)
Neste sentido, “ com a restruturação crescente do Welfare State e o crescimento do desemprego estrutural e da crise do capital, são obrigados a buscar alternativas de trabalho em condições muito adversas, quando comparadas àquelas existentes no período anterior (…) tendo como consequência a expansão do trabalho precário, parcial, temporário”.(4)
Assim, desde a década de 1970 que a agenda do modelo neoliberal tem ganho sucesso advogando que: ” o crescimento e o desenvolvimento dependiam da competitividade do mercado; tudo devia ser feito no sentido de maximizar a concorrência e a competitividade e deixar os princípios do mercado penetrar em todos os aspectos da vida.”(5) Desta forma, a receita do neoliberalismo enquadrado na globalização está a dar os seus frutos e importa perguntar que modelo de desenvolvimento desejamos para o século XXI? Tanto mais que os direitos sociais conquistados e considerados como adquiridos resultantes de lutas sociais que atravessaram um século e meio estão a evaporar-se… Importa perguntar se é viável um crescimento cada vez maior das desigualdades sociais tendo por base os rendimentos, em que cada vez mais pobres encontram-se cada vez mais pobres e uma concentração de capital numa minoria de ricos cada vez mais ricos.(6) Neste quadro de desigualdade acresce a situação dos trabalhadores pobres que o facto de terem um trabalho não garante as condições mínimas para uma vida digna. Para quem é viável este modelo de desenvolvimento económico e até quando será sustentável?
Nesta linha de pensamento, numa cultura de trabalho como a nossa, os desempregados são percepcionados como preguiçosos e responsabilizados por não quererem trabalhar criando processos de culpabilização sobretudo de fações políticas populistas e, por algum motivo está a crescer na Europa movimentos de extremistas, neo nazistas com assento nos parlamentos democráticos… Nesta medida, estamos a viver de facto uma mudança de paradigma de perda de direitos reais de cidadania e não apenas um momento conjuntural de crise.
Retomando o problema do desemprego, implica falar da situação das pessoas relativamente à sua situação no mercado de trabalho para além das consequências numa perspectiva macroeconómica habitualmente retratada nas estatísticas. O fenómeno do desemprego é muito mais do que uma questão económica. Da outra face da mesma moeda temos as suas consequências ao nível pessoal, familiar e social com custos desconhecidos e que muito útil e elucidativo seria avaliar os custos sociais das consequências negativas aos cofres do Estado para uma melhor definição e concepção de políticas públicas. Na verdade, sendo o fenómeno do desemprego por inteiro nas suas diferentes escalas indissociáveis aos níveis macro e micro, e já agora, ao nível meso porque também as comunidades sofrem igualmente as consequências, pelo que os custos devem ser globais no que respeita a todas estas escalas e direta ou indiretamente estamos todos envolvidos e a todos diz respeito.
Numa cultura de trabalho como a nossa em que a identidade de cada um é alicerçada nesse pressuposto, o que acontece quando alguém se torna desempregado ou, numa situação de desemprego reiterada ou, ainda sem possibilidade de provar o seu valor como é a situação dos jovens, na maioria impossibilitados de ser integrados no mundo do trabalho, adiando os seus projetos de vida em permanente suspenso existencial e, seja feito jus e, desta feita, devolvido o quadro por inteiro para lá das estatísticas. Neste sentido, convém considerar também um outro aspeto importante que tem que ver com a idade “ideal”( ideal para quem?) dos trabalhadores para (re) integrarem o mercado de trabalho em que aos 45 anos, senão antes, são considerados “ velhos”, por outro lado os jovens recém – licenciados são considerados inexperientes. Se em termos estatísticos está determinado que a idade da população ativa é dos 15 anos aos 64 anos de idade, em termos reais, nesta sociedade de informação, importa de facto sensibilizar as entidades empregadoras e todos os atores sociais para este problema de estigmatização.
Assim, considerando estas alterações, é necessária a adoção de diferentes estratégias pelos Estados membros nomeadamente pelos fundos alocados às políticas ativas de emprego e aos serviços de emprego públicos; a oferta de competências compatíveis com as necessidades do mercado de trabalho (competências relacionadas com as tecnologias de informação por exemplo a programação informática e competências transversais “ soft skills”) e as baixas qualificações de uma parte significativa da população (cerca de 20% da população activa europeia tem qualificações muito baixas). Por outro lado, as pequenas e médias empresas (PME) são consideradas como sendo responsáveis pela maior criação de emprego no futuro. Neste sentido, de modo a promover este objectivo, devem ser fornecidas as políticas que apoiam a criação de emprego e taxas de empréstimos bancários mais baixas.
O desemprego de longa duração tem um impacto económico e social. Em termos económicos trata-se de um desperdiço de recursos qualificados. Quando a taxa de desemprego aumenta há de facto um desperdício de bens e serviços que os desempregados podiam produzir mas que “são dispensados”. Do ponto de vista social, o desemprego é uma preocupação que causa um enorme sofrimento devido à perda de rendimento e a falta de bem-estar psicológico dos indivíduos e das suas famílias. Mais do que números, estamos a falar de vidas humanas no qual o custo do desemprego é seguramente elevado mas não há tradução adequada do seu custo. É de sublinhar a perda das capacidades individuais com efeitos geracionais de longo prazo verificados no aumento da pobreza infantil(7) repercutindo-se no abandono escolar, nos fluxos emigratórios involuntários devido à falta de emprego, a redução do capital social e das relações sociais que o trabalho permite ativar e manter. O bem-estar físico e psicológico afeta a dinâmica familiar (quebra dos relacionamentos; divida das famílias; mudança de casa/residência). Do ponto de vista social e político, verifica-se uma perda de confiança nas instituições democráticas e cresce uma cultura de culpabilização e estigmatização dos indivíduos pela situação de desemprego.
Podemos afirmar que a necessidade de mudança está advogada na Estratégia Europa 2020 que deverá permitir à União Europeia a garantia de um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo nos próximos dez anos. Isto significa criar uma economia baseada no conhecimento e na criatividade, uso eficiente de energia e recursos e por último uma sociedade em que todos os cidadãos participem no mercado de trabalho e lucrar com benefícios económicos. Mais uma vez de que forma é que a Europa vai conciliar a necessidade de recuperar a competitividade económica com um crescimento inclusivo? Esta questão tem sido analisada pelo projeto REinvest(8), através de uma reflexão crítica ao Plano Juncker: onde estão os investimentos sociais? De onde se conclui que o PJ irá “alargar o fosso entre os países com ‘boa’ execução orçamental e os que não a alcançam e, sobretudo não satisfaz as necessidades dos diferentes países e, certamente, não repará os danos causados pela crise, pelo que é necessário outro tipo de plano de investimento”.
Como foi anteriormente referido, para além das consequências económicas e sociais do desemprego, hoje em dia as identidades individuais estão profundamente enraizados na cultura de trabalho. Nesta linha de pensamento, como lidar com o fato de que não haver um lugar para todos no mercado de trabalho? O contrato social deve ser (re) desenho para incluir os direitos humanos, a coesão social e a democracia para todos e de que forma os parceiros devem ser envolvidos e comprometidos?
(1) A taxa de desemprego em Portugal situa-se actualmente nos 13,7% = 712,9 mil pessoas desempregadas dos 25 aos 64 anos. Este fenómeno tem adquirido um cariz estrutural especialmente no desemprego jovem 34,5% e também no desemprego de longa duração 8,4%. É de salientar que o desemprego desde 2008 (7,6%) tem vindo aumentar significativamente até 2013 (16,2%) registando-se uma queda para os atuais 13,7%. Fontes/Entidades: INE, PORDATA Última actualização: 2015-07-03
(2) Projeto de Relatório Conjunto sobre o emprego da Comissão do Conselho que acompanha a Comunicação da Comissão sobre a Análise de Crescimento Anual de 2015, Comissão Europeia, pág.10
(3) Antunes, Ricardo (2013) Os Sentidos do Trabalho, Ensaio sobre a Afirmação e a Negação do Trabalho, Almedina, Coimbra, pág. 35-36
(4) Idem, pág. 107
(5) Standing, G. (2014) O Precariado, A Nova Classe Perigosa, Editorial Presença, pag. 19.
(6) Portugal surge, no relatório da OCED que analisa a evolução da desigualdade de rendimentos nos últimos anos, como o nono país mais desigual entre os 34 da OCDE, acima do índice médio destes países, que é de 0,315. Os 10% da população portuguesa mais rica concentravam 25,9% da riqueza, enquanto os 10% da população mais pobre tinham 2,6%. O grosso da riqueza (63%) concentrava-se nos 40% da população.
(7) Quando analisada por idade, a pobreza afectava sobretudo as crianças e jovens, com taxas de 17,8 e 15,8 respetivamente. Os adultos (26-65) e os trabalhadores pobres apresentam taxas de 12,5 e 12,2 in Relatório sobre as Desigualdades de Rendimento nos países da OCDE.
(8) http://www.re-invest.eu/images/docs/policybriefs/policy_brief_1.pdf e www.eapn.pt