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Partilha e crescimento em rede

Partilha e crescimento em rede

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Coordenador geral da UDIPSS-PORTO

Um conjunto de conceitos e expressões tem ganho, em anos recentes, crescente popularidade no Terceiro Sector Português. Termos como empreendedorismo social, inovação social, negócios sociais ou angariação de fundos têm entrado, e bem, no vocabulário das organizações sociais nacionais. São prova de que, de facto, está um curso uma mudança positiva na forma como estas trabalham e como continuarão a contribuir para a atenuação das desigualdades sociais no nosso país. Poucas ideias tiveram, no entanto, a amplitude e o alcance do “trabalho em rede”.

Filippo Addarii, Director Executivo da EUCLID NETWORK1 antes de se tornar Director de Estratégia Internacional na Young Foundation2, defende que “[o trabalho em rede] é o caminho para construir a infra-estrutura necessária para a partilha de conhecimento, a construção de parcerias além fronteiras, a avaliação e o apoio dos pares, assim como standards para a indústria. O trabalho em rede é o caminho mais rápido para a inovação e o impacto3“. Na verdade, o trabalho em rede pode ser entendido como a construção de relações, pessoais e institucionais, formais e informais, potenciadoras da criatividade, do conhecimento e da partilha de informação, que contribuem para o aumento do impacto social e da sustentabilidade das organizações sociais. Mas mais do que um conceito, o trabalho em rede deve ser visto como um investimento fundamental de cada organização social, tão importante para a sua actividade como a formação dos colaboradores ou as boas práticas de gestão. A este propósito, gostaria de destacar dois exemplos Portugueses que demonstram a importância e o potencial para a mudança do trabalho em rede.

 

Rede Capacitar Tâmega 4

No ano de 2009 decorria o projecto nacional da Rede ANIMAR5, “Certificar, Qualificar e Animar o Desenvolvimento Local”. Das várias dezenas de instituições que participaram no projecto, sete provinham de Amarante e, após o seu fim, deram continuidade, de forma independente, ao movimento de partilha que aquele havia gerado. Alargaram o âmbito de actividades do grupo, para o qual convidaram todas as demais IPSS de Amarante, e, em 2011, lançaram uma rede assente sobre a força colectiva como um instrumento de sustentabilidade e impacto social: a Rede Capacitar Tâmega.

Hoje já são 11 IPSS (de um universo de 19 em Amarante), e contam no seu histórico com um leque importante de acções em conjunto: uma visita temática dedicada às energias renováveis; eventos de formação focados em temas como a gestão de recursos humanos, qualidade de respostas sociais, planos de desenvolvimento, HACCP, sustentabilidade e actividades socioeducativas; e ainda a assinatura de um protocolo de cooperação com aRede ANIMAR. Estão também a estudar a possibilidade de construir consórcios de instituições dentro da própria rede, tendo em vista a candidatura a linhas de financiamento ou a programas de formação e certificação.

A Rede Capacitar Tâmega começou também, note-se, a gerar um movimento de reflexão sobre a sua comunidade e sobre a forma como as organizações sociais locais trabalham, aproveitando precisamente o valioso capital de conhecimento e experiência que, em conjunto, as instituições da rede possuem. Criaram dois grupos de trabalho compostos por técnicos de apoio domiciliário, bem como técnicos de apoio às valências de inf‚ncia e família das organizações associadas, com o objectivo de promover uma acção concertada no concelho; uniformizar os procedimentos entre as instituições; aprender com as boas práticas de cada uma e investigar formas de melhorar a sua prestação de serviços.

Em Março de 2014 realizaram um fórum, em parceria com a UDIPSS – Porto6, dedicado ao tema “Trabalhar em Rede – Desafios e Oportunidades” e estão também a preparar para este ano o lançamento de uma plataforma de partilha de recursos e a realização de uma feira social, de um estudo sobre o envelhecimento no concelho e de um manual de boas práticas e procedimentos em serviços de apoio domiciliário.

A Rede Capacitar Tâmega é um fantástico exemplo de um movimento nascido das organizações sociais e para as organizações sociais, demonstrando o poder que cada comunidade tem para transformar as suas circunst‚ncias e condições, desde que as suas instituições coordenem as suas agendas e actividades e partilhem abertamente os seus objetivos. Nas palavras do Prof. Jorge Pinto, Presidente da Direção do Infantário “O Miúdo“, em Amarante, e uma pessoa fundamental no lançamento e dinamização da Rede Capacitar Tâmega: “Criar na essência do espírito dos dirigentes e colaboradores das diversas instituições do terceiro setor um verdadeiro sentido de partilha é e será, sempre, um enorme desafio. Mas, passo a passo, vamos colocando de parte as dúvidas e também, por que não dizê-lo, as desconfianças que, cada vez menos, nos assolam. Em tudo na vida, estamos a aprender. O nosso trabalho em rede também nos proporciona oportunidades para a partilha de boas e más experiências com as quais todos ficamos mais enriquecidos, pois umas poderemos replicá-las e outras, as más experiências, evitá-las ou não as repetir. Com este sentido de partilha e trabalho em rede já percorremos um grande caminho, mas sabemos que há muito, ainda, a fazer para conseguirmos atingir os propósitos que nos moveram para a constituição da Rede Capacitar Tâmega. Temos consolidado um conhecimento mais aprofundado daquilo que é a realidade, as dificuldades, os desafios, os anseios e as oportunidades que se deparam a cada uma das nossas instituições, e sabemos que, todos juntos, mais facilmente, poderemos atingir os nossos objetivos. Resumindo tudo o que fomos e vamos construindo na Rede Capacitar Tâmega, permitimo-nos reforçar a conclusão sábia de que “sozinhos podem ir mais depressa, mas todos juntos chegaremos mais longe”. …, pois, mais longe que, também no âmbito social, queremos chegar!“.

 

ESLIDER PORTUGAL 7

Portugal tem, na ESLIDER PORTUGAL – Rede Nacional de Líderes do Terceiro Sector, uma das maiores redes do seu género da Europa. Nascida em 2011, esta rede reúne mais de 70 líderes do Terceiro Sector Português, provenientes das mais diversas áreas e especialidades, das universidades aos municípios, passando pelas fundações, consultoras sociais, entidades formadoras e ainda todo o tipo de organizações sociais ditas tradicionais. Esta Rede entende que o Terceiro Sector tem na sua missão contribuir para o desenvolvimento económico e social através da criação de valor económico, resolvendo de forma eficiente, resiliente e sustentável os problemas com que se confronta a sociedade.

Sob a égide de três eixos estruturantes – i) melhoria dos modelos de governo nas organizações do terceiro sector como forma de as profissionalizar e, simultaneamente, garantir que se tornam mais transparentes e inovadoras; ii) incentivo ao interc‚mbio entre pares enquanto acção de aprendizagem e de geração de conhecimento sectorial; iii) promoção da inovação social como estratégia de criação de um ecossistema amigo do empreendedorismo social – a ESLIDER PORTUGAL foi capaz de atingir vários resultados profundamente interessantes nos últimos dois anos: criou três grupos temáticos que produziram reflexões sobre temas tão diversos como a inovação social (mais concretamente a necessidade de criação da figura ou estatuto jurídico da empresa social), o investimento social (onde produziu um projecto de percurso para a criação de um fundo de investimento social em Portugal) e a governação (onde editou um Manual de boas práticas único e pioneiro em Portugal8, bem como um Projecto de Código de Governação9, em parceria com a CASES, o IPCG, a SRS Advogados e a Impulso Positivo). Adicionalmente, criou eventos de rede (workshops, encontros locais, encontros nacionais, encontros de formação inter pares exclusivos para membros) e desenvolveu um concurso de empreendedorismo social onde o “casamento” entre empreendedores sociais e organizações sociais se tornou uma realidade. Finalmente, a ESLIDER PORTUGAL representou o terceiro sector Português em múltiplos fóruns, como o Governo e a Presidência da República, em processos importantes na definição de um caminho de modernização para o terceiro sector. Os seus membros estiveram activamente envolvidos na elaboração do manifesto “Portugal: uma Social Startup Nation” e a Rede foi definida como parceira exclusiva da já referida EUCLID NETWORK em Portugal, tendo garantido assento na respetiva Direção Estatutária.

 

O Futuro

O trabalho em rede está muito longe de ser, apesar destes esforços, uma prática corrente das nossas organizações. Não obstante a constante repetição, em fóruns, conferências e seminários um pouco por todo o país, da necessidade de maior proximidade entre as organizações sociais, de mais transparência e partilha de recursos e informação, e ainda do potencial que o Terceiro Sector Português tem para resolver problemas sociais negligenciados, desde que trabalhe unido, exemplos como a ESLIDER PORTUGAL ou a Rede Capacitar Tâmega continuam casos raros.

Dois factores contribuem, na minha opinião, para esse estado de coisas:

  1. Falta de cultura de partilha: não está no ADN das organizações sociais nacionais serem organizações abertas aos seus pares, transparentes e disponíveis para partilhar os seus projectos, as suas ambições e dificuldades. Inverter esta situação, como qualquer alteração cultural, cabe a todos nós. Só com uma cultura de partilha franca e verdadeiramente transversal a todo o terceiro sector poderemos esperar mudar a cultura de cada organização;
  2. Falta de percepção do valor acrescentado que o trabalho em rede representa: o trabalho em rede não é visto como uma prioridade nem como um activo estratégico. As organizações desdobram-se na resolução dos seus problemas diários, focam-se no mais recente “fogo” e ignoram que alguns dos seus desafios poderiam ser ultrapassados com uma perspectiva estratégica de maior escopo e mais longo prazo, que inclua a construção e alimentação de redes e parcerias institucionais e intersectoriais, tanto locais como nacionais.

Apesar destas dificuldades, os exemplos apontados devem dar-nos alento e mostrar que é possível, apesar de todas as dificuldades, ultrapassar os preconceitos e as desconfianças iniciais e gerar movimentos de verdadeira e profunda partilha, cujos benefícios aproveitem a todo o terceiro sector. A esperança da UDIPSS – Porto, e aquilo para que trabalhamos diariamente, é de que tais movimentos, como todas as boas práticas, se venham a afirmar como os exemplos que são e se vejam replicados por todo o país.

Afinal, nas eternas palavras de Diogo Vasconcelos, um dos maiores embaixadores Portugueses da partilha e do trabalho em rede, “somos o que partilhamos“!


1 www.euclidnetwork.eu

2 www.youngfoundation.org

3 Azevedo, Carlos; Campos Franco, Raquel; Wengorovius Menezes, João; “Gestão de Organizações Sem Fins Lucrativos – O Desafio da Inovação Social” – Impulso Positivo, Vida Económica (2010)

4 www.facebook.com/redecapacitar.tamega

5 www.animar-dl.pt

6 www.udipss-porto.org

7 www.esliderportugal.org

8 Azevedo, Carlos; “Manual de Governo – O Desafio da Liderança nas Organizações do Terceiro Sector em Portugal” – Impulso Positivo, (2013)

9 José Santana, Maria; Pereira de Campos, Neuza; “Código de Governo de Entidades do Terceiro Sector” – Impulso Positivo, (2013)

Maio 8, 2014
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