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Portugueses e Europeus

Portugueses e Europeus

Grupo de Contacto Livre

Quando a minha família chegou a Portugal em abril de 1985, era demasiado jovem para me recordar do impacto das diferenças culturais, mas recordo-me de o meu pai contar-me que não era tanto esse tipo de diferenças que o tinha surpreendido, mas as condições económicas com que se deparou nesses anos. Para um homem que trabalhara no negócio de hotelaria na Beirute dos anos 60, uma cidade conhecida então como a Paris do Médio Oriente antes de ser arrasada pela guerra civil, chegar a Portugal significava encontrar um país pobre, acabrunhado, ainda a tentar lidar com os fantasmas do seu passado como último potência colonial a abandonar a África, ainda a tentar lidar com a juventude de uma democracia que dera palco a lutas intensas entre esquerda e direita.

Brasil, França ou Reino Unido poderiam ter sido talvez destinos mais adequados, sendo países com fortes comunidades libanesas em virtude de correntes migratórias ao longo de séculos. Mas aqui o meu pai escolheu ficar e, menos de um ano depois, a 1 de janeiro de 1986, Portugal aderia à CEE. Portanto, a história da integração da minha família no país foi também em parte a história da integração do país no âmbito de uma larga instituição que providenciava maiores redes de segurança e vantagens, certamente não totalmente compreendidas na altura e em grande parte ignoradas pela população.

O plano orquestrado por Jean Monnet e Robert Schuman já não permitia conceber uma Europa hostil que tratava os seus vizinhos como inimigos ou rivais e quando em 1995 Portugal juntou-se ao Espaço Schengen e à UE permitiu a livre circulação no espaço europeu, o conceito de posto fronteiriço para a minha geração passou a existir apenas em filmes de guerra.

Graças a programas como o Erasmus e outras facilidades concedidas no âmbito de intercâmbios europeus, inúmeros estudantes beneficiaram da experiência de viver e estudar num Estado-Membro e não me recordo alguma vez de ter ouvido em discursos com amigos ou colegas a questão de pró-europeísmo ou anti-europeísmo. Éramos simplesmente europeus a beneficiarem de uma conjetura excecional e que podia fazer a diferença em anos futuros.

Desde então a UE não parou de evoluir. Outros países aderiram ao seu espaço e as instituições europeias transformaram-se em relação aos seus propósitos originais. O que observamos hoje é, infelizmente, uma União Europeia fragilizada pela crise das dívidas soberanas e políticas fracassadas de austeridade, pela crise dos refugiados, pela crescente desigualdade social, mas também pela falta de transparência nas reuniões do Conselho Europeu e outras instituições que deixaram de ouvir os cidadãos.

Quando em 2014 fui convidada pelo partido LIVRE para ser candidata às eleições europeias, um dos pouquíssimos partidos portugueses que não tinha medo de empunhar a bandeira do europeísmo, aceitei, sabendo por experiência própria que carregar um passaporte europeu era um privilégio e que importava defender valores como a liberdade, a democracia, a proteção laboral e ambiental e justiça social.

Hoje, Portugal já não é o país pobre e cinzento que era por altura da nossa chegada em 1985. O seu crescimento económico e social foi em grande parte possível por instigamento europeu e pela sua inclusão neste projeto único de igualdade, paz e prosperidade. Assim como nunca nos ocorreria abdicar da democracia devido aos resultados de um mau governo, é impensável abdicarmos da UE devido a uma liderança europeia fraca e ineficaz. Chegou o tempo de reformas urgentes e muito necessárias para que o projeto europeu carregue de novo a tocha dos ideais fundadores da Europa e renegue a armadilha dos nacionalismos, motivada por medo e ignorância. Cabe a nós também, portugueses, ajudar a escrever a história europeia com otimismo e esperança, mas também determinação e com os olhos postos não apenas no oceano, mas voltados para o imenso continente que nos protege e ladeia.

Janeiro 24, 2017
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