A relação entre o Serviço Social e a pobreza é uma relação histórica. O Serviço Social é uma profissão que lida, desde sempre, com as camadas mais pobres, excluídas, e marginalizadas da população. A pobreza é parte da experiência diária do trabalho dos profissionais de serviço social. Convivemos muito de perto com a experiência trágica de pertencer às classes mais desfavorecidas da nossa sociedade; conhecemos esse universo caracterizado por trajetórias de exploração, pobreza, opressão e resistência, observamos o crescimento da violência, da droga, e de outros códigos que sinalizam a condição subalterna.
A matriz referencial da profissão é a de um profissional que está ao serviço dos direitos, da cidadania e da justiça social, numa óptica de compromisso com aqueles que vivem em situação de desfavorecimento social, em busca da transformação das suas realidades e tendo como parceiros outros profissionais e os próprios usuários.
No contexto atual são vários os desafios que se colocam aos profissionais de serviço social. A chamada questão social, espaço em que a desigualdade se expressa com evidência flagrante, apresenta-se exponenciada nos dias de hoje.
No marco das políticas de austeridade em que os direitos sociais perdem identidade e a concepção de cidadania se restringe, em que a legislação laboral evolui para uma maior desprotecção (da força de trabalho) em que a legitimação do Estado se reduz a uma política assistencialista, são inúmeros os desafios que se colocam aos profissionais de serviço social.
O grande desafio prático que se coloca aos assistentes sociais está exatamente na convivência conflituosa entre a observância às novas técnicas, rotinas e discursos administrativos (nos quais estamos todos sendo submetidos), e as necessidades ética, política e legal de honrar os compromissos com a consolidação da cidadania, da liberdade, da justiça social, dos direitos humanos, do estímulo à participação política dos beneficiários dos serviços que prestamos na profissão.
Ou seja, se por um lado, o assistente social surge como um profissional necessário para implementar um instrumento estatal (as políticas sociais) e no contexto institucional, devido à predominância de culturas ainda fortemente dominadas pelos paradigmas funcionalistas e reactivos ao pensamento crítico, é muito pressionado para a ação em detrimento da avaliação crítica da sua própria acção, dos programas e das políticas, por outro lado, compete-lhe atuar, através de pesquisas e análises da realidade social, na formulação, execução e avaliação dos serviços, programas e políticas sociais que buscam a preservação, a defesa e a ampliação dos direitos humanos e a justiça social.
O grande desafio do Serviço Social na atualidade é redescobrir alternativas e possibilidades para o trabalho profissional no cenário atual. Traçar horizontes para a formulação de propostas que façam frente à questão social e que sejam solidárias com o modo de vida daqueles que a vivenciam, não só como vítimas, mas como sujeitos que lutam pela preservação e conquista da sua vida, da sua humanidade. Porém, apontar perspectivas implica em um esforço em decifrar o movimento societário, situando o Serviço Social na dinâmica das relações entre o Estado e a sociedade civil.
Digamos que este desafio não é simples. Sabemos que permanecem na Política Social, no âmbito privilegiado de nossa inserção profissional, concepções e práticas assistencialistas, clientelistas, e paternalistas. Observamos na rede solidária a expansão de serviços a partir do dever moral, da benemerência e da filantropia (que em si mesmos, não realizam direitos). E, ainda encontramos no nosso trabalho uma cultura moralista e autoritária que culpa o pobre por sua pobreza.
Existe a necessidade de um profissional qualificado que reforce e amplie a sua competência crítica, pensando, analisando, pesquisando e decifrando a realidade, pois é tendo uma atitude investigativa em seu exercício profissional quotidiano que poderá ampliar as possibilidades de vislumbrar novas alternativas de trabalho, neste momento de profundas transformações na vida em sociedade.
O profissional de serviço social deve participar na defesa das políticas sociais (em quantidade, qualidade e variabilidade), dos recursos estatais destinados ao social, dos princípios democráticos, deve denunciar o mau uso de recursos, a corrupção etc. Se a população é beneficiária de tais serviços, consequentemente ela tem o direito de conhecer, avaliar e determinar sobre o destino destas políticas sociais, o assistente social a ela vinculado tem o dever cívico e o compromisso ético/político de favorecer, mediante sua intervenção profissional, os mecanismos para tornar isso possível.
Quanto mais os assistentes sociais forem capazes de explicar e compreender as lógicas que produzem a pobreza e a desigualdade, mais condições terão para intervir, para elaborar respostas profissionais qualificadas do ponto de vista teórico, político, ético e técnico.