A sustentabilidade de uma empresa é algo imprescindível à sua manutenção no mercado, seja para as empresas privadas ou para a área social. Desta forma, um dos maiores desafios que se coloca atualmente às empresas de economia social prende-se com a redução da dependência dos dinheiros públicos, e com as formas que podem existir de “autofinanciamento”.
Neste artigo aborda-se o conceito de sustentabilidade aplicado às empresas de economia social, bem como formas de atingir essa sustentabilidade seja no campo financeiro ou no campo da intervenção social.
Sustentabilidade das empresas de economia social
O conceito de sustentabilidade diz respeito a uma caraterística ou qualidade do que é realizado por forma a não esgotar totalmente todos os recursos naturais nem prejudicar o meio ambiente, no momento atual ou no futuro, e inclui três dimensões: a económica, a ambiental e a social.
No plano de uma empresa, a dimensão económica da sustentabilidade inclui todas as atividades da “economia formal”, mas também todas as atividades que resultem em serviços disponibilizados e que permitem um aumento de rendimentos e melhoria da “vida” da empresa. A dimensão ambiental inclui o impacto que as atividades desenvolvidas pela organização têm sobre o meio ambiente, no momento atual e no futuro. A dimensão social diz respeito ao meio interno e externo da empresa, constituído por todas as pessoas que contactam com a organização e que têm diferentes qualidades, experiências, capacidades e necessidades (Claro, Claro, & Amâncio, 2008).
Na economia social, à semelhança do que acontece no setor lucrativo, a sustentabilidade está dependente não só da própria empresa mas de todo o contexto que a rodeia, sendo a sustentabilidade global uma condição da interação de um conjunto de sistemas (Fowler, 2000).
No âmbito deste estudo considera-se sustentabilidade de uma empresa de economia social a sua viabilidade financeira e organizacional a médio e longo prazo (Wood, 2013; Bell, Masaoka, & Zimmerman, 2010; Sontag-Padilla, Staplefoote, & Morganti, 2012). Ou seja, a sua capacidade de fazer face a todas as despesas inerentes ao seu funcionamento, e portanto ter recursos financeiros suficientes, mas também, e não menos importante, a sua capacidade de desenvolver atividades que levam ao cumprimento da missão da organização (Jenner, 2016).
Segundo Fowler (2000), para avaliação da influência dos recursos financeiros e das fontes de financiamento da organização devem utilizar-se diversos critérios:
- Vulnerabilidade – a forma como os recursos da organização são vulneráveis a acontecimentos externos;
- Sensibilidade – o grau e velocidade de impacto que a alteração de uma fonte de recursos tem sobre a organização;
- Criticidade – a probabilidade de conseguir substituir uma fonte de recursos por outra;
- Consistência – a capacidade de substituir uma fonte de recursos por outra sem que isso comprometa a missão e a identidade da organização;
- Autonomia – o grau em que as fontes dos recursos afetam a tomada de decisão e a capacidade de negociação da organização;
- Compatibilidade – o grau de concordância com que uma organização consegue gerir os recursos existentes e os novos recursos necessários.
Sendo que a escolha do tipo de fontes de financiamento e de recursos é uma opção estratégica da empresa e que deve estar alinhada com a missão e os objetivos a médio prazo da mesma (Silva, Santos, Mota, & Martín, 2014).
A figura 1 mostra uma possível organização das fontes de recursos financeiros.
Figura 2: Organização das fontes de recursos financeiros (adaptado de Fowler, 2000; Bell, Masaoka, & Zimmerman, 2010, e Azevedo, 2012)
A tabela 1 mostra a classificação de algumas destas fontes quanto aos critérios de vulnerabilidade, sensibilidade, criticidade, consistência, autonomia e compatibilidade.
Legenda: + aumenta; – diminui; = sem influência; ÿ compromete; # desafia; ? constrange; * melhora. i; = sem influência; ÿ compromete; # desafia; ? constrange; * melhora.
Qualquer das fontes de recursos financeiros poderá solicitar contrapartidas pela entrega de valores monetários. No caso do Estado, a principal contrapartida exigida é a prestação de contas, ou seja, o relatório das atividades realizadas com o valor monetário entregue. O mesmo se passa muitas vezes com os donativos das empresas, bem como com o valor entregue pelas fundações. Em suma, o impacto obtido com o dinheiro doado (Wood, 2013).
No caso de fontes de recursos financeiros que promovam o aumento do lucro de que são exemplo a venda de bens e serviços por parte da organização ou a possibilidade de arrendamento para exploração de espaços por profissionais, terá que se ter em conta qual o efeito que estas atividades têm sobre a imagem pública da organização perante a sociedade em geral (Fowler, 2000).
Na opção por desenvolver atividades que geram lucro, que segundo Bell, Masoaka e Zimmerman (2010) deveria ser imprescindível, a empresa de economia social deverá ainda ter em conta o sistema legal e fiscal do país, bem como garantir a transparência das atividades desenvolvidas, em especial aquando da prestação de contas aos parceiros e financiadores (Fowler, 2000).
Requisitos para a sustentabilidade das empresas de economia social
Existem já diversas caraterísticas identificadas como sendo imprescindíveis à sustentabilidade de uma empresa de economia social. Assim, os requisitos considerados mais importantes são a capacidade de adaptabilidade da organização ao contexto social e económico que a rodeia e a capacidade de liderança dos órgãos diretivos e dos cargos de chefia (Fowler, 2000; York, 2009).
Fowler (2000) considera ainda de extrema importância a capacidade de aprendizagem da organização com os eventos passados (vitórias e erros) e com as vivências dos colaboradores, considerando que deveria existir uma auscultação constante das necessidades e das lacunas ao funcionamento identificadas por quem se encontra no terreno.
Segundo York (2009), o terceiro fator crucial à sustentabilidade das empresas de economia social é a capacidade de programação das atividades da organização por parte dos corpos diretivos, onde se incluem as capacidades de gestão dos recursos de forma eficaz e eficiente, bem como de identificar quais os recursos técnicos necessários à implementação das estratégias e atividades que permitem concretizar a missão da organização.
York (2009) considera ainda que para o sucesso da organização é imprescindível a aprendizagem contínua a partir dos dados existentes e a participação de todos as partes interessadas no processo de tomada de decisão (clientes, parceiros, financiadores, fornecedores, colaboradores, órgãos diretivos, comunidade em geral, …).
Segundo Sontag-Padilla, Staplefoote & Morganti (2012) e Jenner (2016) foram identificados os seguintes desafios e práticas facilitadoras da sustentabilidade das empresas de economia social:
- Dependência de financiamento externo: as empresas devem ter diversas fontes de recursos financeiros (por exemplo: Estado, fundações, donativos privados, vendas de bens e serviços e outros contratos) e devem verificar o plano de angariação de fundos com regularidade por forma a manter a sustentabilidade financeira.
- Criar a “marca” da empresa social: as empresas devem apostar no marketing e na divulgação da sua “marca” como forma de ajuda à promoção e sustentação dos seus programas e serviços. A comunicação clara e consistente da missão e das atividades desenvolvidas pela organização pode aumentar a confiança da população abrangida e da comunidade em que se insere, podendo em última instância facilitar a angariação de donativos privados.
Estabelecimento de parcerias e expetativas dos parceiros: estabelecer parcerias com outras empresas de economia social para partilha de recursos ou serviços pode tornar-se bastante vantajoso, devendo haver especial atenção à continuidade da autonomia e independência de cada um dos parceiros relativamente à sua missão e às atividades desenvolvidas. - Demonstração de valor e accountability aos financiadores: a prestação de contas é uma obrigação legal e ética para com algumas fontes de recursos financeiros. Associado à prestação de contas seria aconselhável um relatório das atividades desenvolvidas com vista à demonstração da forma de gestão dos recursos financeiros recebidos, bem como com identificação de qual o impacto que essas atividades tiveram junto da população abrangida diretamente e também junto da comunidade onde se inserem. Os relatórios elaborados devem possuir toda a informação financeira e informação suficiente sobre as atividades desenvolvidas; serem acessíveis a todas as partes interessadas (clientes, parceiros, financiadores, comunidade em geral); serem transparentes; e serem relevantes no sentido de demonstrarem como foi atingida a missão da organização.
- Promover a liderança e o envolvimento da comunidade: as empresas de economia social ao envolverem a comunidade no desenvolvimento das suas atividades promovem em simultâneo o sentimento de pertença e facilitam a colaboração dessa população na identificação das necessidades da comunidade e na angariação de fundos ou no desenvolvimento de voluntariado. Desta forma a organização pode desenvolver atividades mais dirigidas aos problemas em específico e através do voluntariado reduzir alguns dos custos associados aos colaboradores assalariados ou desenvolver outras atividades para as quais os colaboradores não têm disponibilidade temporal ou emocional, melhorando em última instância o impacto da sua intervenção junto da sociedade em geral.
As diretrizes para as empresas de economia social portuguesas
No desenrolar da crise económica em Portugal, foram realizados alguns estudos que tiveram por base a importância das Instituições Particulares de Solidariedade Social (adiante designada de IPSS) na sociedade portuguesa, bem como a identificação de formas que permitam a estas empresas ter sustentabilidade.
Assim, num estudo elaborado por Sousa et al para a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) a sustentabilidade foi considerada como a conjugação de três fatores: viabilidade económico-financeira, capacidade para subsistência e complementaridade de serviços.
Como estratégias para a viabilidade económico-financeira foram identificados:
- Gestão empresarial com sentido social:
- Os órgãos sociais devem ser apoiados por uma equipa com experiência de gestão;
- Apostar no voluntariado para cargos específicos que não necessitem ser executados a tempo inteiro;
- Os fundos públicos não devem ser a única fonte de receitas;
- Diversificação das fontes de receitas:
- Rentabilização do património tanto imóvel como móvel;
- Estabelecimento de parcerias com empresas no âmbito da promoção da responsabilidade social;
- Programas de apoio/donativos a uma causa específica;
- Redução de custos e aumento da eficiência na utilização dos recursos existentes:
- Criação de central de compras;
- Partilha de equipamentos e instalações físicas por forma a rentabilizar os recursos existentes;
- Partilha de recursos humanos especializados.
Como estratégia para a subsistência foi dado ênfase ao enfoque nos problemas reais e atuais, de que são exemplo no contexto atual o ainda desemprego e a pobreza extrema com dificuldade de acesso da população aos bens essenciais.
Como estratégia para a complementaridade é sugerido o estabelecimento de parcerias entre empresas de economia social por forma a criar uma rede social coesa e que chegue a todos os que necessitam dos serviços sociais. É ainda importante o estabelecimento de parcerias com empresas privadas que possam doar para além de recursos financeiros outro tipo de recursos de que são exemplos material informático substituído ou os stocks não vendidos ou ainda bens perecíveis que já não serão utilizados pela empresa dentro do seu período de vida útil. É ainda importante nesta área da complementaridade a comunicação com a sociedade em geral através de um bom plano de comunicação e marketing, facilitando assim a divulgação das atividade desenvolvidas pela empresa de economia social.
Num outro estudo levado a cabo por Soares, Fialho, Chau, Gageiro & Pestana (2013) as principais conclusões encontradas são semelhantes às do estudo anteriormente apresentado. Neste estudo são apresentadas como boas práticas:
- Órgãos de gestão profissionalizados com capacidade de gestão estratégica, com maior envolvimento da sociedade civil e da economia no setor social;
- Formação dos recursos humanos para a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação em todos as atividades das organizações;
- Obter equilíbrio orçamental através de:
- Redução de custos – central de compras com stock zero, energias renováveis, recurso ao voluntariado, envolvimento dos utentes, …;
- Aumento das receitas – melhorar a transparência, criação de atividades produtivas – farmácia, saúde, atividades educativas, atividades extra curriculares, atividades agrícolas, …;
- Dimensionar as organizações de modo a gerar economias de escala, quando não de forma independente, em associação com outras empresas de economia social através do estabelecimento de parcerias;
- Adotar um plano de marketing social, modernizando a imagem e divulgando as “marcas” de bens e serviços que possuem e que podem oferecer à comunidade onde estão inseridas.
É de referir que em relação aos estudos internacionais, Portugal apresenta apenas como ponto extra para a sustentabilidade das empresas de economia social a necessidade de a gestão assentar em modelos empresariais e com base no planeamento estratégico da organização.
Síntese
Para as empresas de economia social a sustentabilidade prende-se não só com a viabilidade financeira da organização, mas também com a capacidade de se manter fiel à sua missão e ao desenvolvimento das atividades necessárias para a atingir.
Para a obtenção de sustentabilidade é importante as empresas de economia social apostarem nas suas capacidades de adaptabilidade ao contexto socioeconómico onde estão integradas, nas capacidades de liderança dos cargos de chefia e direção, e no desenvolvimento das suas atividades de intervenção social para que possam também ser reconhecidas pelo impacto que têm na comunidade em que se encontram e na sociedade em geral.
Para a obtenção destas capacidades contribuem a diversificação das fontes de recursos financeiros, a motivação dos colaboradores e a capacidade de aprendizagem da organização com as partes interessadas e com o percurso passado, o desenvolvimento de um plano de marketing e comunicação e o estabelecimento de parcerias na comunidade, com outras empresas de economia social e/ou com empresas privadas.
Bibliografia
Bibliografia
Azevedo, C. (2012). Desempenho, Sustentabilidade e Eficiência Económica em OSFL. Em C. Azevedo, R. Franco, & J. Meneses, GEstão de Organizações Sem Fins Lucrativos (pp. 371-407). Porto: Impulso Positivo.
Bell, J., Masaoka, J., & Zimmerman, S. (2010). Nonprofit Sustainability: Making Strategic Decisions for Financial Viability. San Francisco: Jossey-Bass.
Claro, P., Claro, D., & Amâncio, R. (out/nov/dez de 2008). Entendendo o conceito de sustentabilidade nas organizações. Revista de Administração de São Paulo, pp. 289-300.
Fowler, A. (2000). The Virtuous Spiral. London: Earthscan Publications Ltd.
Jenner, P. (2016). Social enterprise sustainability revisited: an international perspective. Social Enterprise Journal, 12, pp. 42-60.
Silva, S., Santos, N., Mota, J., & Martín, J. (2014). Sustentabilidade das Instituições Particulares de Solidariedade Social em Portugal. © Autores.
Soares, C., Fialho, J., Chau, F., Gageiro, J., & Pestana, H. (2013). A Economia Social e a sua Sustentabilidade como Fator de Inclusão Social. SERGA. Obtido em 10 de fevereiro de 2015, de http://serga.pt/userfiles/files/Relatorio%20Final.pdf
Sontag-Padilla, L. M., Staplefoote, L., & Morganti, K. G. (2012). Financial Sustainability for Nonprofit Organizations. Santa Monica: RAND Corporation.
Sousa, S. e. (2012). As Instituições Particulares de Solidariedade Social num contexto de crise económica. CNIS – Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade.
Sousa, S. e. (abril de 2012). Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade. Obtido em 10 de fevereiro de 2015, de www.cnis.pt: http://novo.cnis.pt/images_ok/ApresCNIS_MillenniumBCP_Abr2012.pdf
Wood, C. (2013). Value Based Business Planning: Practical strategies for non-profit sustainability. Lexington: Chris Wood.
York, P. (2009). TCC Group. Obtido em 09 de fevereiro de 2015, de www.tccgrp.com: http://www.tccgrp.com/pdfs/SustainabilityFormula.pdf