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Transição digital e pandemia

Transição digital e pandemia

Head of Marketing & Communications na Vision-Box

Nas primeiras semanas após o confinamento COVID-19, num dos questionários mais partilhados nas várias redes sociais, perguntava-se qual o maior responsável pelo processo de transição digital nas organizações? A) o CEO; B) o CTO; C) Coronavírus.

Para lá do imediatismo destes conteúdos virais, não deixa de ser claro que o processo anunciado durante anos de transformação digital e mais recentemente de transição digital sofreu um enorme impulso pela inevitabilidade da reação social à pandemia: fomos forçados a aderir a uma participação na sociedade feita à distância, a partir de casa.

 

Ligação digital em confinamento

De um dia para o outro, organizações, empresas, governos, educação, comércio, cultura e tantas outras áreas, passaram a “estar ON”, como diz o slogan comunicacional do Estado.

Para diversas economias mundiais, esta transição em poucos dias ou semanas foi absolutamente revolucionária. Em Itália, por exemplo, os números do trabalho remoto total ou mesmo ocasional, até à pandemia, não ultrapassavam os 8%. A percentagem, em Portugal, deverá ser idêntica.

A infraestrutura tecnológica também teve de se adaptar radicalmente. De um dia para o outro, milhares de pessoas passaram a interagir por videoconferência; o ensino migrou parcialmente para o online; a tele-saúde teve de ser imposta pelo medo de entrar num hospital em tempos como estes. Pela primeira vez, a sociedade foi forçada a usar serviços digitais de uma forma massiva e não opcional. E, contudo, muitos destes serviços não foram concebidos para este formato onde uma dúvida ou um problema não podem ser imediatamente esclarecidos.

 

Uma transição com desigualdade

Se uma pandemia como esta tivesse ocorrido há 20 anos, não estaríamos preparados para esta mudança.

Tivemos largos anos para nos habituarmos a esta transição. E em diferentes áreas ela tem sido feita de uma forma natural: usamos o home-banking porque é mais cómodo, vemos um filme ou uma série online, lemos conteúdos digitais, usamos plataformas digitais no trabalho.

Mas sabemos que não é uma mudança fácil. Porque a rede não tem sempre largura de banda suficiente e em todo o lado, porque os dispositivos não estão adaptados, porque as aplicações nem sempre são simples de usar e obrigam à deslocação a um serviço físico. Assistimos à falta de preparação de comunidades, organizações, governos, hospitais e de tantos serviços, apesar de anos de investimento tecnológico.

As mudanças drásticas atuais acentuam as desigualdades entre quem tem mais possibilidade de acesso ao digital e de quem não o pode fazer. Números da UNESCO apontam para que sejam mais de 826 milhões de estudantes em todo o mundo sem computador em casa. Em Portugal, este número representa ainda 23% do total de alunos em idade escolar.

Com os diferentes países a migrar para plataformas de ensino, tendo em vista uma maior digitalização de longo prazo, não basta garantir conteúdos, é necessário criar acessos complementares com a escola, assegurar ligação universal à internet, disponibilizar equipamentos e alargar competências nas famílias com menos literacia tecnológica.

 

O caminho para uma visão atualizada

Dispomos de uma oportunidade de fazer este processo rapidamente, mas também de ser bem-sucedidos, aplicando melhor a experiência adquirida e aprendendo com os erros do passado. É essencial saber disponibilizar melhores serviços públicos que efetivamente “descomplicam” processos com várias décadas, que apenas existiam “porque sempre tinha sido assim” ou por força de uma legislação desadequada.

Ao desconfinarmos, as organizações percebem que afinal é possível o teletrabalho sem perder produtividade. Grandes empresas mundiais como o Facebook, Apple e Google já anunciaram que vão manter estas opções para sempre, ganhando-se mais qualidade na gestão de trabalho e vida familiar.

É ainda decisiva a forma para a qual, como sociedade, saberemos combater desigualdades, assimetrias e garantir que ninguém ficará de fora, em especial com o impacto da crise financeira a que se assiste.

Governos e organizações devem saber trabalhar com o terceiro setor para que a digitalização não implique perda de laços sociais e económicos. Assegurar que as competências digitais não devem ser apenas garantidas aos mais novos, sob pena de termos mais desemprego por uma nova exclusão social digital. Contribuir para reduzir as assimetrias regionais: os tempos atuais vieram comprovar que, afinal, é possível escolher qualquer lugar para viver e trabalhar, independentemente da distância.

O digital “by default” implica uma visão e um plano de ação global, coordenado e muito participado. Não se trata, pois, de investir em tecnologia e inovação como tendência, mas como uma estratégia efetiva de mitigar a crise atual e de antecipar o impacto de outras que venham a surgir, garantindo a capacidade de resiliência social, reduzindo assimetrias e promovendo o salto digital para o bem-estar da sociedade.

*Head of Marketing & Communications na Vision-Box. Mestre em Novos Media e Web pela Universidade Nova de Lisboa e Pós-Graduado em E-Business pelo ISEG. Leciona Marketing Digital, na Lisbon Digital School e Comunicação Digital, na Administração Pública no INA. Foi Senior Advisor no Gabinete da Secretária de Estado da Justiça, onde teve a seu cargo o desenvolvimento da estratégia de inovação daquela área governativa e de projetos de transformação, como o portal justiça.gov.pt. É vice-presidente da Associação CAIS.

Dezembro 18, 2020
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