No corrente ano comemoram-se 30 Anos de Adesão de Portugal à União Europeia, então Comunidade Económica Europeia, e 40 anos de Autonomia consagrada na Constituição da República Portuguesa. Esta coincidência de efemérides é um bom pretexto para fazermos uma breve reflexão sobre o percurso que a Região Autónoma da Madeira tem seguido nas últimas décadas.
No início dos anos de oitenta o grande atraso socioeconómico e cultural que grassava na Madeira e Porto Santo, fruto das vicissitudes histórico-políticas e do grande isolamento geográfico deste arquipélago, impôs aos recém-empossados órgãos de governo próprio da Região tomadas de decisões cruciais para o futuro. Neste contexto, a opção europeia, a par do aprofundamento da conquista da Autonomia, perfilharam-se no horizonte como o caminho a trilhar rumo ao desenvolvimento.
Esta decisão não estava isenta de risco, visto que a entrada num processo de integração com padrões superiores de desenvolvimento económico e mercados competitivos acarretaria um grande esforço da parte das autoridades regionais e da sociedade em geral, com particular incidência no mundo empresarial. Contudo, a Região não podia perder uma oportunidade única de obter apoios fundamentais, inexistentes no plano nacional, para viabilizar o seu desenvolvimento e recuperar décadas de atraso.
Desde o início deste processo o Governo Regional sempre negociou uma adesão plena, mas com o compromisso da Comunidade Económica Europeia, expresso numa Declaração Comum anexa ao Ato de Adesão de Portugal, de conceder um tratamento diferenciado e adequado à Madeira, no sentido de ter em conta as suas características particulares.
Assim, ao longo destes 30 anos e na base do duplo princípio de pertença à União Europeia e de aprofundamento da realidade autonómica, sempre se defendeu uma abordagem específica para a Madeira e foi com este objetivo em mente que inúmeras démarches foram desenvolvidas, a diferentes níveis de atuação, na busca das soluções mais adequadas à resolução dos problemas da Madeira, tanto na esfera orçamental, como na jurídica.
O Conceito de Ultraperiferia
Houve contudo um marco histórico ao longo deste processo de integração europeia da Madeira e de outras regiões com características semelhantes, que foi a consagração do conceito de Ultraperiferia e do respetivo reconhecimento das suas características e constrangimentos – grande afastamento, insularidade, pequena superfície, relevo e clima difíceis, dependência económica em relação a algumas produções tradicionais.
Fruto de um intenso trabalho de lobbying conseguiu-se o compromisso político dos Estados-membros no sentido da União Europeia reconhecer um estatuto jurídico próprio das nossas regiões, o que foi conseguido pela primeira vez na Declaração n.º 26 anexa ao Tratado de Maastricht, posteriormente no Tratado de Amsterdão e por último no Tratado de Lisboa, no qual está devidamente consagrado no Artigo 349º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
As Regiões Ultraperiféricas (RUP) – Madeira, Açores, Canárias, Guadalupe, Guiana Francesa, Martinica, Reunião, São Martinho e Maiote – em virtude das suas características específicas e pela multiplicidade, permanência e combinação cumulativa de constrangimentos, que dificultam e condicionam o seu desenvolvimento, distinguem?se de todas as demais regiões da UE, inclusive daquelas com desvantagens naturais ou geográficas, como definidas no artigo 174 º do TFUE (zonas rurais, zonas de transição industrial, regiões setentrionais com densidade populacional muito baixa, regiões insulares, transfronteiriças e de montanha).
Importa também referir que as RUP contribuem de um modo decisivo para União Europeia, como por exemplo pelas suas localizações geoestratégicas que fazem delas seus “postos avançados” e dos seus valores no Atlântico, nas Caraíbas e no Índico. Em termos marítimos, as RUP representam mais de metade da zona económica exclusiva (ZEE) da UE.
Ou seja, esta reserva de recursos marinhos representa um laboratório marítimo único, que pode ser explorado em domínios como a segurança alimentar, a luta contra as alterações climáticas, a energia e a biotecnologia. Relativamente ao Turismo estas regiões constituem um ativo excecional graças ao seu ambiente natural e cultural. Pelas suas localizações as RUP são para a UE uma grande oportunidade de desenvolvimento das atividades espaciais, da astrofísica e dos satélites. As RUP abrigam uma diversidade de espécies e de ecossistemas únicos muito importantes para a biodiversidade do planeta. Estas regiões, juntamente com os países e territórios ultramarinos, têm mais espécies animais e vegetais endémicas do que a toda a Europa continental, incluindo mais de 20 % dos recifes de corais e lagoas do mundo.
Esta situação impar impôs um tratamento especial e diferenciado nos diversos domínios de ação, o que se reflete no ordenamento jurídico e na produção legislativa da União, traduzindo?se em disposições especiais e/ou em legislação própria.
Contudo, este ação não tem sido somente ao nível do processo legislativo, tendo-se verificado ao longo do tempo uma evolução rumo a uma verdadeira política europeia para a ultraperiferia. A materialização desta política tem sido feita através das três Comunicações de referência da Comissão Europeia relativas a essa estratégia, nomeadamente em 2004, 2008 e 2012 denominada “Pareceria para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo” que se desenvolve em torno dos seguintes 5 eixos:
• Melhorar a acessibilidade ao mercado único;
• Reforçar a competitividade das atividades económicas;
• Promover a integração regional das RUP no interior das respetivas zonas Geográficas (o que no caso da Madeira significa as relações de vizinhança com Marrocos, Mauritânia, Senegal e sobretudo Cabo Verde);
• Reforçar a dimensão social do desenvolvimento das RUP (emprego, educação saúde, etc.)
• Inserir as ações de combate às alterações climáticas em todas as políticas pertinentes.
Chegados a este ponto o balanço destes 30 anos só pode ser positivo, contudo, grande parte dos problemas subsistem e continuarão a subsistir, porque são intrínsecos à nossa própria natureza ultraperiférica. A título exemplificativo, os sobrecustos de qualquer atividade económica existirão sempre nas RUP (o custo adicional no transporte, no armazenamento, entre outros), pelo que em matéria de Auxílios de Estado e de Política de Coesão torna-se necessário aprofundar os instrumentos existentes, incluindo os financeiros, para mitigar esta situação e garantir a igualdade de oportunidades aos operadores económicos no acesso ao Mercado Interno da União, independentemente de estarem sediados em Bruxelas, em Lisboa ou no Funchal.
Por outro lado, a União Europeia passa por uma das suas mais profundas crises, com a questão das migrações e do terrorismo e acima de tudo pelas consequências ainda difíceis de prever sobre o referendo Britânico e que foi favorável ao Brexit.
Alguns dirão que é um processo sem retorno, queremos acreditar que não, porque não existem alternativas válidas e porque acreditamos no processo de integração europeia tal como definido pelos seus fundadores.
A União Europeia tem de voltar a ser sinónimo de esperança, não de dúvida ou incerteza, e foi por isso que ainda muito recentemente no Funchal, perante a Senhora Comissária Corina Cretu, que a Conferência dos Presidentes das RUP pugnou uma nova dinâmica para estas regiões quando afirma na sua Declaração Final: “compete pois à Comissão Europeia, com a participação decisiva dos nossos Estados-membros, mobilizar-se no sentido de conseguir dar uma resposta à altura dos desafios, no quadro de uma estratégia renovada.”