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Uma viagem pela poesia que têm todos os sonhos

Uma viagem pela poesia que têm todos os sonhos

Psicóloga, Coach, Formadora

Esta viagem começa há muitos anos atrás, na imaginação. Ou nos meus sonhos. Sonhei durante muitos anos fazer uma missão em África. Não sei explicar porque motivo, mas África esteve sempre no meu pensamento. Um daqueles projetos que fui sempre adiando com milhares de desculpas. “Era longe o meu sonho e traiçoeiro o mar”, pensei eu durante muito tempo. Por isso guardei-o bem fundo, mas como tudo o que se guarda no coração, um dia, quando menos esperava, o sonho veio outra vez, com uma força que não consegui mais negar.

Começou então a procura de uma solução. Foi assim que surgiu a Missão Aventura Solidária, um projeto da AMI (Assistência Médica Internacional). Tinha que ir. Era urgente. Afinal, “só nos é concedida esta vida que temos; e é nela que é preciso procurar o velho paraíso que perdemos”. A primeira missão era no Senegal, país que não constava do meu mapa. Fui ler, ver imagens, aprender. Gostei. Estava decidido. “Prestes, larguei a vela e disse adeus ao cais, à paz tolhida”. Num mês estava lá, com os pés em África, na minha África que aprendi a amar nos meus sonhos. Ao chegar, o calor intenso, apesar da noite, os cheiros doces e fortes, o calor humano a colar-se à pele. Estranho. Tão estranho. Ao mesmo tempo sentia medo. Mas, ao pensar que estava a cumprir um sonho e um projeto de uma vida, logo “reforcei a fé no marinheiro” e a aventura começou.

Aos poucos fui percebendo, sem saber até hoje se percebi na verdade, como vivia aquele povo tão caloroso. Fui apreendendo e aprendendo a respeitar rituais, gestos, formas de estar, ritmos. O tempo. O tempo que parecia tão largo, tão infinito. Tão diferente do meu tempo cá. Esqueci tudo. Deixei telemóveis, computador, internet, relógio, tudo aquilo que habitualmente nos prende e nos faz ser menos, sobretudo com e para os outros. E vivi, simplesmente. Senti, muito. Intensamente. Cada segundo, cada olhar, cada toque, cada som. Também sofri. Pensei em muitos momentos de que valiam as minhas mãos, tão pequenas, tão impotentes, tão insignificantes. Que diferença fazia eu ali, ou no mundo? Porque não acabamos nós com a fome e com a miséria, se temos todos os recursos? Porquê? Porquê?… Nesses momentos, sentia que a “desmedida, a revolta imensidão transforma dia a dia a embarcação numa errante e alada sepultura”… Mas logo recordava os sorrisos mais bonitos do mundo, ali mesmo ao pé de mim, em momentos eternos, gravados na memória e no coração, em imagens de ternura. Pensava nas escolas que pedi insistentemente para conhecer e no sorriso que aquelas crianças tinham sempre, mesmo sem terem condições ou material. A alegria em estar na escola, em aprender. Recordava um anjo menino pequenino que encontrei ao caminhar pela rua, muito sossegado, ao pé de umas cabrinhas brancas, no meio do lixo, que, ao ver-me, sorriu. Num sorriso que iluminou o mundo e fez esquecer todas as tristezas, dores ou mágoas que o coração ainda pudesse preservar. A cada sorriso, um novo e cada vez mais belo sorriso nascia. Como se o sorriso fosse a resposta para todas as perguntas que nasciam dentro de mim.

Os olhares que encontrei eram mágicos, sonhadores, felizes. Pergunto-me como. Pergunto-me do que preciso para ser feliz, como eles. Percebo que posso andar despida e descalça, suja, despenteada, e ainda assim ser feliz. Em África vivi e percebi isso: é preciso tão pouco para se ser feliz! Sinto agora, passados quatro anos, que sempre ali estive, que sempre estarei. Encontrei um sentido para o apelo que senti desde sempre e que muitas vezes não compreendia. Esse apelo fez-me dedicar de forma apaixonada à educação e, se antes já o fazia, depois desta experiência tudo mudou. No meu trabalho com alunos, pais e professores, passei a ser muito mais positiva, a sorrir muito mais, a procurar o belo em cada pessoa e em cada momento menos bom. Percebi que posso ser útil mesmo nas escolas com mais condições e recursos. Porque às vezes é onde mais falta o essencial. E é a procura dessa essência que me move: a relação humana é a base e é a partir dela que todos os sonhos podem nascer. Como o(s) meu(s). Às vezes há quem me diga “a Mafalda é utópica”. E eu sorrio. E fico feliz. E penso “ainda bem”.

Vejo-me rodeada de todos aqueles meninos e sorrio. Não consigo parar de sorrir. Estou lá, ainda e sempre. Agora sei. África trouxe uma certeza à minha vida. Sei agora que é dando-me aos outros, em presença, ternura e dádiva, que encontro um sentido para a minha vida. Porque acredito, sempre, que um pequeno gesto pode mesmo fazer toda a diferença e que juntos, com o contributo que cada um pode dar, conseguimos tornar o mundo num sítio muito melhor. Por isso, como Miguel Torga, “corto as ondas sem desanimar. Em qualquer aventura, o que importa é partir, não é chegar”.

Julho 17, 2014
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