Quando uma criança é colocada numa instituição no âmbito de uma medida de proteção e promoção dos seus direitos, a sua família pode ser também “acolhida”. Acolhida e reforçada na sua condição de figura central na vida da criança e principal recurso num processo que se pretende célere, eficaz e justo.
E como é que uma instituição se pode organizar no sentido de “acolher” uma família que é olhada como responsável pela situação em que a criança se encontra? Começa-se precisamente por trabalhar este pré-conceito.
A instituição não existe para julgar, penalizar ou infligir castigo. A instituição existe para apoiar, acompanhar, ajudar a abrir caminhos e horizontes. A “casa” onde a criança se encontra temporariamente a viver deve procurar, após um diagnóstico o mais completo possível, conhecer a família da criança no sentido de identificar as suas potencialidades e as áreas onde beneficia de ajuda e orientação. Deve ainda, cumprindo o princípio do trabalho em rede, procurar que a família seja encaminhada para outras especialidades que lhe possam suprir outras necessidades.
Na instituição deve começar-se por estimular junto da equipa uma cultura onde impere o respeito pelo outro, a tolerância, o sentido de ajuda, a crença nas capacidades dos outros e o princípio da exigência e do rigor em tudo o que se faz. Para quem trabalha na instituição, o mais importante não é saber o que aconteceu e de quem é a responsabilidade mas sim o que há a fazer com o que aconteceu e o que fazer para ajudar a quebrar ciclos. De pobreza, de violência, de ausência de afetos,..
Raramente uma criança chega à instituição com uma decisão que não autorize os contactos com a família de origem. O que não quer dizer que não venha a ocorrer posteriormente. A responsabilidade parental é limitada o que dá origem a que seja a instituição a tomar as decisões relativas a quase tudo na vida da criança: a escola para onde vai, o centro de saúde onde é inscrita, a roupa que veste, as atividades que frequenta…
A este poder só pode corresponder uma enorme responsabilidade. Nunca uma arbitrariedade ou apropriação.
Não obstante a limitação nas responsabilidades parentais, deve a instituição procurar entender as sensibilidades da família no sentido de respeitar os valores que sendo importantes para esta, não concorram em prejuízo dos filhos mas antes reflitam uma cultura familiar que deve ser respeitada.
Quando a decisão é no sentido da retirada de uma criança do seu contexto de origem, são introduzidas inúmeras variáveis na sua vida. Variáveis artificiais (coabitação com várias crianças, orientações dadas por vários adultos, profissionais a entrar e sair das suas vidas, privação de uma vivência familiar “normal”…) que reforçam a necessidade de “normalizarmos” o mais possível o quotidiano destes menores. Em termos de rotinas, o princípio é que as cumpram no exterior (escola, assistência médica, atividades desportivas e culturais, …) tendo a Casa a importante função de porto de abrigo (de onde partem, para onde regressam). No que respeita à relação com a família, pretende-se que seja esta a indicar os dias e horas das visitas de acordo com a sua disponibilidade e desejo.
A facilitação e promoção do contacto entre a criança acolhida e a sua família permite aferir do potencial de mudança da família assim como avaliar de forma mais fiel todo o processo. Estimular a interação entre a criança e as suas figuras de referência permite que a criança preserve algo que lhe é essencial: o sentido de pertença.
Na Casa de Cedofeita (um dos 7 centros de acolhimento temporário pertencente à APDMF – CrescerSer) existe uma Casa da Família, criada a pensar na privacidade que deve existir quando elementos de uma família estão juntos e dispensam olhares gratuitos. Quando apenas estão presentes os olhares necessários.
Esta casa acolhe desabafos, emoções, conversas difíceis. É uma casa que espelha o respeito e a compreensão que as famílias nos merecem mas também a exigência e responsabilização das mesmas, cumprindo o direito da criança a uma família capaz de cuidar dela em segurança.
A Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, Lei de Proteção de crianças e jovens em perigo no seu artigo 4º enumera os princípios que devem orientar a intervenção. Atente-se nas alíneas f), g), h), e i) que remetem para a presença e importância da família em todo o processo.
Não cabendo neste artigo de opinião um aprofundamento do tema, complexo e denso, gostaria de terminar com duas considerações:
– quando se fala na prevalência da família é partindo do princípio que a família deseja e tem capacidade para se constituir como principal recurso na vida da criança
– existe a noção de tempo útil na vida da criança que determina que o trabalho e investimento na família devem ocorrer num tempo que não coloque em risco a “sobrevivência” da criança.